Um dia destes ia o Professor Velho, aquele que já não dá aulas, está na Biblioteca e fala com os livros, a sair da escola ao mesmo tempo da saída dos miúdos quando viu a Professora Sara parada ao portão a ver os miúdos a passar.
Olá Sara, estás a contar os alunos?
Olá Velho, tens cada uma, estava a reparar nas mochilas que carregam. Eu acho que alguns devem ficar com dores nas costas.
Até que tens razão, nós na escola pedimos coisas demais e que enchem as mochilas tornando-as pesadas, muito pesadas. Já se tem falado nisso, até os médicos.
Pois é Velho, se calhar não precisavam de carregar todos os dias tantas coisas, Passam tanto tempo na escola que já não deveriam ter que fazer alguns trabalhos em casa e alguns materiais poderiam ficar cá.
É verdade, deveríamos pensar nisso, mas deixa que te diga que às vezes ainda me preocupam mais os miúdos que andam com a mochila vazia, que também existem como tu sabes. É muito pesada.
Sim é verdade que alguns miúdos nunca trazem o que é preciso, mas porque é que dizes que é mais pesada.
Alguns miúdos andam com mochilas tão cheias que as coisas da escola já lá não cabem. Carregam uma escola que não alcançam e uma escola que não os alcança, uma família que não os aconchega por um tempo que não tem ou por um afecto que se perdeu no meio dos sobressaltos da vida. Carregam uma vida que não entendem ou uma pressão que não suportam. Carregam uma falta do que não sabem o que é nem como lidar com essa falta. Carregam uma solidão que assusta e um medo que às vezes faz fugir para a frente. Na verdade, há miúdos com mochilas vazias que pesam toneladas, já lá nem cabem os manuais e os materiais da escola.
Mas Velho …
Alguns destes miúdos de que te falei ainda levam “falta de material”.
Mas Velho …
Tenho que ir Sara, o meu autocarro está quase a passar, amanhã continuamos a conversa.
Texto de Zé Morgado
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