quinta-feira, 28 de maio de 2015

IAVE nega ter obrigado alunos surdos a realizar exame

O IAVE refuta as críticas de que não terá disponibilizado o material adequado para que alunos surdos pudessem levar a cabo na totalidade o exame de inglês Preliminary English Test for Schools, direcionado para alunos do 9º ano de escolaridade.

Na semana passada, o Jornal de Notícias adiantava que alunos com deficiência auditiva severa que integram a Rede Nacional de Referência para a Educação Bilingue de Alunos Surdos foram impedidos de realizar parte de uma prova de inglês, uma informação de que o Notícias Ao Minuto também deu conta.

Em causa estavam alunos do 9.º ano de escolaridade que iam realizar o Preliminary English Test for Schools, um exame de inglês que implicava uma parte escrita mas também uma parte oral. Alguns alunos com dificuldades auditivas severas não teriam realizado esta parte da prova por ter sido disponibilizado apenas um CD que os alunos deviam ouvir, não havendo DVD para leitura labial.

Em comunicação enviada às redações, o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) nega as críticas e adianta que foram “disponibilizadas condições para que os alunos do 9.º ano com necessidades educativas especiais, designadamente os alunos surdos, pudessem realizar o Preliminary English Test (PET)”.

Explica o IAVE que “o manual de procedimentos prevê que estes alunos possam ser dispensados de o fazer ou de realizar parcialmente o teste, sendo essa decisão da responsabilidade dos encarregados de educação e das escola”. Por essa razão, o IAVE diz não compreender e lamentar as declarações de professores e dirigentes do Agrupamento de Escolas D. Maria II, em Braga, que falaram ao Jornal de Notícias sobre este caso, de que o Notícias Ao Minuto também deu conta.

Explica ainda o IAVe em comunicado que o CD facultado “não era, naturalmente, para ser ouvido pelo aluno, mas sim pelo professor, para que este o reproduzisse ao mesmo ritmo, permitindo aos alunos fazer a respetiva leitura labial”. Explica ainda a entidade que “este CD, em velocidade lenta, é igualmente usado por alunos com outro tipo de necessidades, nomeadamente por aqueles que apresentam paralisia cerebral ou limitação motora severa”.

O IAVE esclarece ainda que nenhuma das duas escolas em causa “pediu ao IAVE materiais adaptados para alunos surdos” e que se houve alunos surdos que não realizaram o PET “foi, ou porque os pais/encarregados de educação e/ou a escola assim o decidiram, ou porque esta não solicitou ao IAVE os materiais adaptados de que necessitava”, pode ler-se.

Estudo aponta atrasos na colocação de técnicos para crianças com necessidades educativas

Os atrasos na colocação de técnicos nas escolas e a falta de formação dos professores para acompanhar os alunos com necessidades educativas especiais são dois dos problemas detetados num estudo que será apresentado quarta-feira no parlamento.

Até 2008, a maioria das crianças com necessidades educativas especiais (NEE) não frequentava o ensino regular mas sim escolas especiais até que o Ministério da Educação e Ciência (MEC) decidiu inverter esta situação e, no ano letivo de 2013/14, apenas 2% destes alunos andavam em escolas especiais e os restantes 98% em escolas regulares.

Um estudo pedido pelo MEC concluiu que o modelo de integração inclusiva destes alunos, que é feito nas escolas em parceria com os Centros de Recursos para a Inclusão (CRI), deve continuar mas que existem falhas que precisam ser corrigidas, contou à Lusa Jerónimo de Sousa, coordenador do estudo.

Responsáveis e funcionários de escolas, encarregados de educação e alunos foram alguns dos inquiridos para o trabalho sobre o impacto da prestação de serviços dos CRI, entidades que apoiam estes alunos que andam "nas mesmas turmas frequentadas pelos seus irmãos, vizinhos e pares da comunidade educativa".

A quase totalidade dos inquiridos disse estar "bastante satisfeito" com o apoio prestado pelos técnicos dos CRI, mas alertou para a falta de verbas e de recursos humanos que consideram estar a afetar o desenvolvimento e aprendizagem dos alunos.

"As dinâmicas para a contratualização e disponibilização destes apoios pode estar a afetar a aprendizagem dos alunos", sublinhou Jerónimo de Sousa, que é também diretor do Centro de Reabilitação Profissional de Gaia.

Sem recursos suficientes, os alunos acabam por ter um apoio de "baixa abrangência, duração e frequência", lê-se no documento intitulado "Avaliação das Políticas Públicas - Inclusão de Alunos com NEE: O caso dos CRI".

O trabalho revela que o rácio entre alunos e técnicos está desequilibrado e que, em alguns casos, o mesmo técnico tem de percorrer longas distâncias, uma vez que trabalhava em várias escolas geograficamente muito afastadas.

O estudo recomenda, por isso, uma redução dos tempos gastos pelos técnicos "em deslocações por vezes longas e frequentes".

Para contornar a falta de pessoal, muitas escolas optaram por reduzir as horas de apoio aos alunos ou então substituíram os apoios individuais por apoios prestados em grupo.

Outro dos problemas prende-se com o facto de os CRI não prestarem apoio na educação pré-escolar, o que significa uma desvantagem na intervenção precoce.

Por outro lado, os entrevistados reconheceram a qualidade dos profissionais envolvidos e consideram que os seus perfis se adequam às necessidades: na maioria dos casos são psicólogos, terapeutas ocupacionais e terapeutas da fala.

No mesmo sentido, os responsáveis das escolas admitiram que se sentiam mais apoiados com a presença destas equipas e consideraram também que os apoios dos CRI "tinham impacto na qualidade de vida das famílias".

Jerónimo de Sousa lembrou por isso que é preciso disponibilizar os apoios necessários para responder às necessidades e que esses apoios se mantenham durante o percurso educativo da criança ou por ciclo de ensino.

A formação de professores, integrando um módulo de educação inclusiva na formação inicial e criando planos de formação contínua, é outra das propostas que será apresentada quarta-feira de manhã no parlamento, promovida pelo Grupo de Trabalho de Educação Especial.


Via: Incluso

"Cidadãos de Segunda"

Repórter TVI: Crianças com problemas psicológicos têm subsídios indeferidos pela Segurança Social em juntas médicas onde se encontram clínicos de outras áreas (com vídeo) Para ver o vídeo clique aqui

Nos últimos tempos, todos os meses são indeferidos dezenas de pedidos de subsídios a crianças e jovens com problemas psicológicos. Subsídios que estão previstos na lei e que servem para pagar terapias como psicologia, psicomotricidade, terapia da fala ou terapia ocupacional. 

Mais grave: há crianças com problemas psicológicos que estão a ser convocadas pela Segurança Social para se apresentarem a juntas médicas compostas por estomatologistas, médicos de clínica geral ou especialistas em medicina do trabalho, ou seja, de áreas completamente diferentes. 

Sem grandes justificações, o Estado está a negar ou a suspender o financiamento das terapias e por isso, centenas de crianças estão a abandonar os tratamentos. As mais pobres, com certeza. As famílias não conseguem suportar os custos das consultas. Revoltadas, acusam o Estado de tratar os filhos como cidadãos de segunda! 

Uma estomatologista e uma otorrinolaringologista

Todas as semanas, o Rafael vai a uma consulta com uma psicóloga, numa clínica privada em Penafiel. Na escola, as queixas sobre o seu comportamento são mais que muitas e em casa as coisas nem sempre correm bem. E a culpa não é dele. Com 9 anos o Rafael nunca conseguiu adormecer sozinho. É uma criança agitada, ansiosa, impulsiva e profundamente dependente da mãe. 

Desesperada com o comportamento do filho, a mãe, Fernanda Pinto, resolveu levá-lo a uma clínica privada. Foi visto por um pediatra e por uma psicóloga que consideraram que o Rafael apresenta "uma deficiência psicológica, caracterizada por uma má gestão e controlo dos impulsos e que revela alterações do sono associado a elevados níveis de ansiedade". 

Fernanda Pinto está desempregada, o marido é o único sustento da casa. Não têm como pagar uma consulta semanal numa clínica privada e por isso pediram ajuda ao Estado. Entregaram todas as declarações médicas à Segurança Social na esperança de obterem a bonificação por deficiência e o subsídio de educação especial para o Rafael. 

Uma prestação que é dada às famílias com maiores dificuldades económicas para suportar as despesas de saúde dos filhos. Poucos meses depois de ter sido feito o pedido, mãe e filho foram convocados para se apresentarem no Serviço de Verificação de Incapacidades da Segurança Social do Porto. Uma convocatória que se transformou numa consulta relâmpago. 

À espera da criança estava uma médica estomatologista e uma otorrinolaringologista que, segundo a mãe, quiseram apenas saber qual era o clube de futebol do Rafael e se tinha namorada. Recusaram identificar-se e deram a consulta por terminada. 

Pouco tempo depois, veio a resposta ao pedido de bonificação por deficiência. O processo foi indeferido, porque as duas médicas consideraram que o Rafael "não apresenta nenhuma deficiência permanente", apesar de todos os relatórios médicos que atestavam exatamente o contrário. 

Chocado, José Manuel Silva, Bastonário da Ordem dos Médicos, considera que algo de muito errado se está passar com as juntas médicas da Segurança Social. Por isso, aconselha os pais a apresentarem queixa e promete mão pesada caso se confirme que os médicos agiram contra os interesses dos doentes. 

Também o Provedor de Justiça já se pronunciou sobre as prestações sociais da Segurança Social e não tem dúvidas sobre qual deve ser a composição destas juntas médicas. José Francisco de Faria Costa considera que "tem de haver pessoas, sob o ponto de vista científico, credenciadas que possam fazer uma avaliação séria, límpida e justa". 

A TVI contatou a otorrinolaringologista e a estomatologista que avaliaram o Rafael. As duas médicas recusaram fazer qualquer comentário. 

Inês, uma menina com paralisia cerebral

De um ano para o outro, e sem que nada mudasse no seu estado de saúde, Inês Pereira perdeu o subsídio de educação especial. Dinheiro que servia para pagar as sessões de terapia ocupacional que tinha aqui, nesta clínica em Amarante. 

A Inês tem 10 anos, foi uma bebé prematura que nasceu às 29 semanas com paralisia cerebral. Até aos 3 anos, foi acompanhada no Hospital Padre Américo, em Penafiel. Lá fez as primeiras terapias, mas o pediatra que a acompanhou achou que a Inês precisava de mais e que "por limitações de ordem técnica e meios humanos, o serviço de medicina física do hospital, não dava a resposta necessária que a criança necessitava". 

Inês foi encaminhada para uma clínica privada onde passou a ter terapia ocupacional, uma vez por semana, subsidiada pela Segurança Social. Só que no ano passado, a verba do Estado foi cortada. E sem subsídio, a Inês abandonou a terapia. 

Apesar dos relatórios que atestam a incapacidade permanente da Inês, passados por hospitais públicos, pelo Centro de Paralisia Cerebral do Porto, por médicos e terapeutas de clínicas privadas, apesar de ser óbvia e visível a deficiência da Inês, apesar de tudo, a Segurança Social indeferiu o pedido alegando que a Inês "não possui comprovada redução permanente de capacidade física". 

Os pais contestaram a decisão da Segurança Social mas o pedido voltou a ser recusado. Desta vez porque a Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares considerou que a Inês não tem necessidades educativas especiais, ou seja, não está referenciada pela escola, ao abrigo do decreto-lei 3/2008. Um decreto que regulamenta o ensino especial, ou seja, que identifica as crianças com dificuldades de aprendizagem e os apoios que a escola deve prestar. Só que a Inês não tem qualquer problema cognitivo, até é boa aluna, logo não deveria estar, sequer, abrangida por esta lei. 

Contactada pela TVI, a Segurança Social confirma que a Inês, bem como o Rafael não têm direito ao subsídio de educação especial. A Segurança Social justifica-se dizendo que os dois não estão referenciados pela escola porque não apresentam dificuldades de aprendizagem. Quer isto dizer que, como até são bons alunos, a Inês e o Rafael não têm direito ao subsídio que serve para pagar os tratamentos. 

Nesta campanha de poupança cega que muitos consideram imoral, o caso da Inês e do Rafael estão longe de ser os únicos. 

A TVI teve acesso a dezenas de cartas que indeferem pedidos de subsídio justificados numa resposta "tipo", sempre igual para as mais diferentes situações. Cartas onde se diz que a criança não tem acesso às prestações da Segurança Social por não estar referenciada pela escola como aluno com necessidades educativas especiais ao abrigo decreto- lei 3/2008. 

Carla Macedo é psicóloga, trabalha numa clínica privada em Amarante. Já contestou dezenas de decisões da segurança social, indeferimentos que se baseiam no facto de as crianças não estarem referenciadas pelo famigerado decreto 3/2008. 

O problema é que não é este decreto que regulamenta o subsídio de educação especial mas antes o decreto regulamentar nº 14/81. Nele pode ler-se que se "garante uma prestação social a todas as crianças com comprovada redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual e que se designam por deficientes". 

Um protocolo assinado em outubro de 2013 entre o Instituto da Segurança Social e a Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares veio alterar as regras e veio, sobretudo, lançar a confusão. Segundo o protocolo, não são os médicos, mas antes a escola que tem que referenciar a criança...é a escola que deverá dar início a todo o processo indispensável para a atribuição das prestações familiares pagas pela Segurança Social. Mas, isso não está a acontecer, pelo menos em alguns agrupamentos onde há professores que se recusam a identificar os alunos que precisam de ajuda.

Joana, uma criança com uma malformação congénita

Neste processo de atribuição de subsídios nada é simples, nem parece ser muito coerente. Joana Vieira está referenciada pela escola como aluna com necessidades educativas especiais mas, apesar disso, está há quase um ano à espera de saber se tem ou não direito ao subsídio da Segurança Social. 

Joana tem 10 anos e nasceu com uma agenesia do maxilar. Em Santiago de Piães, distrito de Viseu, não há quem não a conheça. O rosto da Joana apareceu nos cartazes das manifestações que em março do ano passado juntaram centenas de pais à porta das sedes regionais da Segurança Social. 

A cara deformada da Joana é resultado de uma malformação congénita. Ao longo dos anos foi sujeita a várias cirurgias, mas ainda está previsto fazer outras tantas. A última foi adiada a pedido da mãe por não ter sequer dinheiro para pagar as deslocações ao Porto. 

Joana tem grande dificuldade em articular as palavras, tem défice cognitivo e um atraso global do desenvolvimento. Mal sabe ler, anda no quarto ano mas está a aprender matéria do primeiro. Uma vez por semana tem uma sessão de 45 minutos de terapia da fala, uma ajuda valiosa que pode acabar a qualquer momento. 

O pedido de subsídio para pagar a terapia da Joana deu entrada na Segurança Social em junho de 2014...mas até agora continua “a aguardar deserção”, ou seja, continua a aguardar resposta. E já estamos em maio. 

Bruno, um hiperativo com défice de atenção diagnosticado aos 8 anos

Há 12 anos que Bruno da Silva anda de médico em médico, de hospital em hospital. Bruno sofre de hiperatividade e défice de atenção. Aos 8 anos começou a ser seguido no Hospital de Santo António. 

Desde os 8 anos que toma Ritalina, um medicamento estimulante do sistema nervoso central. Em 2011, a médica que o acompanha encaminhou-o para um psicólogo, numa clínica privada e a mãe requereu o subsídio de educação especial para fazer face à despesa. 

Um ano depois, Bruno recebeu uma convocatória para se apresentar na segurança social de Braga. A mãe, Maria das Dores, conta que a avaliação não demorou mais do que cinco minutos e que apenas perguntaram o nome, a idade e pouco mais. 

O processo foi indeferido, para grande espanto e total desespero da mãe. É que durante os 11 meses em que esteve à espera da resposta da Segurança Social decidiu levar o filho a uma clínica privada em Guimarães. Depois da recusa da Segurança Social, Maria das Dores teve de retirar o filho da terapia e ainda ficou a dever dinheiro à clínica. Revoltada, apresentou queixa na Ordem dos Médicos e a ordem decidiu fazer nova avaliação ao Bruno. 

Clínico que presidiu à equipa de Braga condenado pela Ordem dos Médicos 

A decisão da Ordem dos Médicos só chegou em fevereiro deste ano, três anos depois de a Segurança Social ter recusado o subsídio ao Bruno. A ordem decidiu punir com pena disciplinar de advertência o médico que presidiu à equipa de Braga, por considerar que violou os seus deveres deontológicos. 

No acórdão do Conselho Disciplinar, a que a TVI teve acesso, pode ler-se que "o parecer emitido pela equipa multidisciplinar é incompatível com o estado clínico do requerente e que o arguido não considerou a informação clínica atinente ao doente nem fundamentou a sua decisão". 

Maria das Dores não perdeu tempo e já fez, na Segurança Social, novo pedido de subsídio referente ao ano 2011 baseado na avaliação da ordem dos médicos. Mas ainda não teve resposta. 

À TVI, a Segurança Social disse que o subsídio do Bruno foi recusado porque ele não apresentava uma redução permanente de capacidade. Mas os relatórios médicos que constam do processo atestam exatamente o contrário: dizem que o Bruno “é portador de deficiência motivada por uma redução permanente de capacidade sensorial e intelectual”. 

A TVI também contactou o médico que presidiu à equipa de Braga que avaliou este processo, mas o médico em causa recusou-se a prestar declarações.

Pais em protesto! 

Em março do ano passado, o ministro Mota Soares esteve na mira das famílias a quem tiraram o subsídio. Houve manifestações um pouco por todo o país, mas apesar das queixas, das críticas e dos protestos, o ministro da Solidariedade Social garantia, na altura, que não faltava dinheiro para pagar os subsídios de educação especial. Na verdade, o orçamento até cresceu este ano. O que Mota Soares nunca disse é que houve um corte de sete milhões de euros no ano passado. 

A TVI contactou o Ministério de Mota Soares que remeteu todo e qualquer esclarecimento para o Instituto da Segurança Social. Contatado o Instituto, a presidente Mariana Ribeiro Ferreira recusou o pedido de entrevista. 

A TVI pediu também, por várias vezes, uma reação a alguém responsável do Ministério da Educação mas não obteve qualquer resposta.

In: TVI24

segunda-feira, 25 de maio de 2015

UMA ESCOLA INCLUSIVA DE 2ª GERAÇÃO. QUE SERÁ? QUE SERÁ?

Como já aqui referi, estive a ler com alguma atenção o Programa Eleitoral do PS, em particular no que respeita ao universo da educação e, mais especificamente, o que se pensa ou propõe na resposta educativa aos alunos com necessidades educativas especiais. O que se tem passado neste campo nos últimos anos exige mudanças urgentes que protejam os direitos dos alunos e famílias a uma educação de qualidade e, tanto, quanto possível, junto dos seus colegas de idade.

No conjunto das 21 causas que integram o Programa vasculhei a causa 2, "Combater o insucesso, garantir 12 anos de escolaridade", e … nenhuma referência ao universo dos alunos com necessidades educativas especiais

Estranhei mas depois encontrei. Na causa 19, "Por uma Sociedade mais Igual" no ponto "Promover a inclusão das pessoas com deficiência surge a intenção de promover "A aposta educativa numa escola inclusiva de 2ª geração que deverá intervir no âmbito da educação especial e da organização dos apoios educativos às crianças e aos jovens que deles necessitam. 

Ainda continuei a ler procurando alguma clarificação sobre este interessante avanço conceptual "Uma escola inclusiva de 2ª geração" mas ... nada. Mais nada.

Bom, a partir daqui restou-me tentar estudar a questão, é um princípio de vida, não sabemos, procuramos a quem sabe ou estudamos.

Mas nem por aqui encontrei algum esclarecimento sólido e claro. Bom, para além da vossa ajuda que desde já solicito, resta-me o “achismo”, ou seja, o que é que eu acho que é “uma escola inclusiva de 2ª geração” “que deverá intervir no âmbito da educação especial”.

Em primeiro lugar esta afirmação não faz sentido algum, uma escola a intervir na educação especial, isto é o quê, para além de uma enorme confusão e ignorância? Nem vale a pena tentar perceber é uma charada sem solução e disparatada

Segundo, o que será mesmo uma “escola inclusiva de 2ª geração”? Uma escola para os filhos dos alunos das escolas "inclusivas de 1ª geração” que de qualquer forma também não sei o que será? Uma escolinha pequena ao lado das escolas actuais”? Não entendo mesmo, Alguém que me ajudasse e ficaria grato, gosto de perceber o que nos pode vir a acontecer.

Na verdade a tentação de “inventar” neste universo é frequente. Um dos melhores exemplos foi a criação na legislação de uma figura designada por Currículo Específico Individual, uma coisa bizarra onde se trancam alunos que dificilmente se libertam de estigma, rótulo, que lhes colam. Aliás, e como sabem os mais próximos do universo da escola é vulgar a deselegante e feia referência aos “CEIS”, os alunos que têm CEI, algo que não consigo ouvir sem um sobressalto de incómodo.

Na altura tentei perceber este ”conceito” Currículo Específico Individual” e também não encontrei grande ajuda. Talvez esta dificuldade advenha do entendimento de que um “Currículo” que é desenhado para um aluno, será, portanto, Individual, só pode mesmo, ser Específico, sobe pena de não ser individual.

Temos muitos mais exemplos destas questões que, do meu ponto de vista, radicam, entre outras, numa questão, a tentação permanente de utilizar os normativos para criar doutrina quando os normativos deveriam servir para regular procedimentos. A doutrina com base na evidência científica e no quadro de valores, opções ideológicas e valores constitucionais transmite-se através de orientações políticas, as leis apenas devem regular os procedimentos.

Resta-me, como já compreenderam, contar com a vossa ajuda para perceber o que será uma “escola inclusiva de 2ª geração” que “deverá intervir no âmbito da educação especial”. Talvez o autor(a) ou autores possam clarificar.

Muito agradecido.

Texto de Zé Morgado

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Cursos que formam professores devem ser revistos para uma melhor educação

Garantir uma formação inicial de professores e educadores “de qualidade” é uma das premissas em que deve assentar a construção de um novo projeto de Educação para Portugal, segundo a proposta apresentada nesta quinta-feira, na Gulbenkian, pelo Grupo Economia e Sociedade (GES) da Comissão Nacional de Justiça e Paz.

“Há razões que justificam que se proceda a uma avaliação rigorosa dos currículos e dos programas dos cursos oferecidos pelas instituições de formações académicas de professores e educadores e se proceda aos ajustamentos que forem requeridos para garantir uma formação inicial de professores e educadores de qualidade”, defendeu a economista Manuela Silva, que preside ao GES, no encerramento da conferência “Pensar a Educação. Portugal 2015”, onde foi apresentado o trabalho desenvolvido por um grupo de professores e investigadores ao longo de mais de um ano com vista a identificar quais os principais problemas do setor educativo e que propostas para os ultrapassar e do qual resultou um relatório com o mesmo título (pode ser consultado aqui http://areiadosdias.blogspot.pt/)

No concreto, propõem que se proceda à “reorientação da formação dos educadores de infância” e sejam reformulados os planos de formação dos professores [de educação] especial, “extinguindo-se muitos dos cursos atuais e reestruturando os outros de modo a adequá-los às prevalências de alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE)”, resumiu a investigadora da Universidade do Minho, Ana Maria Serrano, na conferência desta quinta-feira.

A formação inicial de professores desta área que é atualmente proposta pelas instituições do ensino superior “não reflete os pressupostos fundamentais para o sucesso dos alunos com NEE”, defende-se no relatório divulgado nesta quinta-feira. Segundo Ana Maria Serrano, estima-se que em Portugal existam cerca de 147 mil crianças e adolescentes com NEE e destes só 42% recebem apoio.

A iniciativa de elaborar um projeto para “dotar o país de mais e melhor educação” partiu da constatação, pelo GES, de que a situação no setor é hoje “verdadeiramente caótica”. Para mudar o atual estado das coisas são necessárias ações “urgentes” que, no entanto, “não devem ser adotadas como medidas avulsas, como tem sucedido no passado recente”.

Entre estas ações figuram a “valorização e dignificação da missão do professor junto dos encarregados de educação e da opinião pública em geral”, a “desburocratização do exercício da função docente” e a “revisão da constituição dos atuais agrupamentos de escolas, por forma a garantir uma gestão de proximidade e de cariz humano dos estabelecimentos escolares e assegurar a democracia interna do seu funcionamento”.

Contra a municipalização

Sobre a universalização da escolaridade obrigatória, chamam a atenção de que esta “não foi acompanhada pelas necessárias alterações de fundo a nível do modelo escolar, o que está na origem de graves de problemas de insucesso educativo e de abandono escolar precoce”. Para os ultrapassar têm de “ser repensadas a estrutura de ciclos no ensino básico e respetivos currículos e o peso excessivo dos exames”, entre várias outras áreas identificadas no documento produzido pelo grupo de trabalho que se encarregou do ensino básico e secundário, um dos sete constituídos para levar por diante o diagnóstico agora apresentado.

Com a atual crise as escolas têm também de fazer face a realidades como esta: em 2013 25,6% das crianças e jovens até aos 17 anos encontravam-se em risco de pobreza, alertou o coordenador daquele grupo de Trabalho, José Maria Azevedo, também da Universidade do Minho.

Os intervenientes neste projeto veem “com muita preocupação a deriva de municipalização do ensino público já concretizada por legislação recente” por recearem que se trate “de um perigoso retrocesso na prossecução de um objetivo de educação de qualidade com igualdade de oportunidades para todos os cidadãos”, frisou ainda frisou a economista Manuela Silva no encerramento da conferência

Sampaio da Nóvoa quer "revolução no espaço da escola"

António Sampaio da Nóvoa falava durante a conferência "Pensar a Educação Portugal 2015", que tem como objetivo apresentar o trabalho de um grupo de académicos que resultou de um ano e meio de reflexão sobre a educação e que estes querem ver transformado num projeto educativo politicamente consensualizado para os próximos anos.

"Trata-se de tentar reconstruir, através deste relatório, um novo consenso em torno da educação. Neste consenso de futuro há necessidade de ume enorme revolução no espaço da escola", afirmou.

No centro dessa revolução, duas ideias-chave: "todos" e "futuro", destaca António da Nóvoa, explicando que todos é "uma escola inclusiva que consiga responder às necessidades de todas as crianças".

"Para isso, a escola vai mudar brutalmente nos próximos 20/30 anos, mais do que mudou nos últimos 300", afirma, acrescentando que "o modelo escolar fixo, fechado na sala, com determinada política e currículo, com um professor para um grupo de aluno, tudo vai estar em mudança, em revolução".

Segundo António Nóvoa, a escola do futuro "vai ser uma escola sem quadro negro, sem currículo estruturado, sem um professor apenas para vários alunos, uma escola que vai mudar nas próximas décadas, é uma revolução que está em curso em várias partes do mundo".

A ideia é construir espaços públicos de educação, muito mais amplos do que a escola, espaços também designados como "territórios educativos" ou "cidades educadoras", mas que para o reitor o importante é a sua essência, a abertura do espaço escolar.

Mas para este consenso, "é preciso investimento na educação e que todas as crianças tenham direito à educação", lógica que, na opinião de António Nóvoa, tem vindo a ser abandonada desde o início do século XXI.

"Vários discursos de elites que começaram a revelar cansaço de tanta educação, de tanto investimento na educação e de que é preciso educação para todos. Por volta de 2000, começou a haver "dois discursos (que escondem um cansaço do discurso da educação): o de que estamos a gastar muito, demais para os resultados que temos, e o da exigência e do rigor, um discurso autoritário sobre a educação".

Para o responsável, estes dois discursos juntos "produzem a lógica seletiva, de exclusão e não de inclusão".

O reitor criticou ainda a forma "como se tratou os professores" e como se criaram políticas contra os professores.

António da Nóvoa defende assim uma "política de inclusão e de tentar que todos tenham sucesso na escola", e aí encontrem "o espaço de felicidade e realização", mas também a necessidade de sentido crítico e mais professores.

"Foram dos grupos profissionais mais mal tratados e mais encostados à parede nos últimos dez anos ou mais. Os professores têm que estar no centro para nos dotarmos, como país das décadas que aí vêm", afirmou.

A propósito desta nova ideia de escola defendida, o responsável terminou citando o pensador e pedagogo António Sérgio, para mostrar que afinal não é assim tão nova, pois este já defendia "uma escola útil para a vida", em que o mais importante é o conhecimento das coisas e da vida, porque "uma carneirada escolar dá uma carneirada administrativa, e um decorador de compêndios, um amanuense".

In: JN

Educação 2020

Nos próximos 5 anos vão ser aplicadas na educação portuguesa verbas muito significativas provenientes de fundos comunitários. As prioridades de utilização destes fundos foram regulamentados pela portaria 60–C/2015 (março de 2015) publicada pela Presidência do Conselho de Ministros e pelo Ministério da Educação e Ciência e elaborada no âmbito da Comissão Interministerial de Coordenação (CIC) do programa Portugal 2020. Esta legislação enuncia um conjunto de medidas e de eixos temáticos minuciosos e cuja enumeração e comentário não é possível fazer num texto deste tipo. É possível, mesmo assim, partilhar algumas reflexões sobre este documento.

Antes de mais é muito positiva a simples chegada destes financiamentos. A Educação portuguesa foi severamente atingida por cortes de financiamento e a tão prometida meta de “fazer mais com menos recursos” revelou-se inatingível. E era aliás fácil de prever. A Educação não pode assumir a sua missão de educar todos os alunos e com qualidade se lhe forem minguados recursos em particular os recursos humanos. Olhar a educação com critérios de eficiência semelhantes aos de uma linha de produção só conduz a que os professores e os alunos se tornem multifuncionais e certamente multidispersos. Os exemplos desta dispersão originada pela multifuncionalidade dos professores são imensos. Mas partilho um deles aqui: há dias falava com a responsável de uma escola com cerca de 500 alunos do primeiro e segundo ciclo. Esta professora é diretora de turma, é docente e tem 8 horas semanais (8 horas!) para dirigir a escola. É certamente uma professora multifuncional mas a que preço? São pois boas as notícias que anunciam que estes fundos estruturais poderão vir a contribuir para colmatar estas situações dramáticas. 

A questão agora é o que se vai fazer com estes financiamentos. A portaria é prolixa em programas e em intenções. Sendo positiva esta enunciação, permanece a dúvida sobre qual é o realce, a valorização de cada uma destas medidas vai merecer. Por exemplo, é dito que se vão favorecer o desenvolvimento de sistemas duais de ensino (ex. eixo prioritário iv) mas também que se vai apostar na diversidade do currículo e na inclusão. Quais destas medidas levará a maior fatia de financiamento? Vejamos: nos países em que existem sistemas educativos que criam vias diferentes para alunos desde muito cedo (os chamados sistemas duais) a diversificação do currículo é inerente aos programas de estudos que são diferentes. Outra questão é ter — como ainda temos em Portugal — um ensino unificado que implica que a diversificação do currículo se faça ao nível das turmas e em que o apoio a alunos com dificuldades é muito mais pertinente. Onde se vai apostar? Nos sistemas duais (criando vias precocemente diferenciadas para alunos que são avaliados e destinados a estas vias) ou no apoio à diversidade e ao acompanhamento do currículo de alunos frequentando vias unificadas?

Continuamos, após a imprudente publicação da portaria 275-A, a não dispor de modelos de apoio inclusivo para alunos com necessidades educativas especiais depois do 9º ano de escolaridade. O que foi apontado nesta legislação — e quase nunca cumprido — é que o currículo dos jovens com necessidades educativas especiais seria cumprido na sua grande maioria (quatro quintos das horas letivas) fora da escola regular. Pois bem, quando se abrem concursos para que as diferentes entidades se possam candidatar às verbas Portugal 2020, quais vão ser os critérios que vão ser valorizados? Aqueles que favorecem um ensino vocacional dentro da escola regular ou os projetos que retiram os jovens da escola para os colocar em enquadramentos segregados? Esta questão é muito importante porque até agora nunca foi possível provar que alguém, por exemplo com paralisia cerebral, aprende melhor se for ensinado juntamente com outras pessoas com paralisia cerebral. Pelo contrário, o que sabemos é que pessoas com condições de deficiência e sem condições de deficiência podem aprender e ensinar-se mutuamente. Podem aprender e ensinar muitas coisas desde os conteúdos curriculares às atitudes e aos valores que podem tornar a nossa convivência solidária, útil e humana.

Portugal 2020 é certamente uma grande oportunidade para retomar o fio à meada da Educação. Retomar entendido como voltar a níveis de investimento que nos permitiram diminuir o fosso entre a nossa educação e a dos outros países desenvolvidos, retomar no sentido em que estes fundos devem ser usados não para fazer mais do mesmo mas para ousar inovar a escola que tanto precisa de respirar depois de estar afogada em metas irrealizáveis, em programas asfixiantes, em modelos de ensino e de aprendizagem pouco próximos dos alunos e das suas culturas. E procurar abrir e manter um grande diálogo com os profissionais da educação, com as escolas, com as famílias, com as autarquias. Este diálogo tem faltado e não é de só agora.

O que é que nós queremos que a escola portuguesa seja daqui a 5 anos?

Por: David Rodrigues

Presidente da Pró-Inclusão, Conselheiro Nacional de Educação

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Jornal de Notícias com edição em Braille

Edição vai ter uma selecção das notícias mais importantes e será distribuída nos PALOP.

O provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP), António Tavares, anunciou esta terça-feira que a edição em Braille do “Jornal de Notícias” (JN) vai ser retomada em breve.

“Vamos voltar em breve a produzir o JN em Braille”, disse António Tavares, na cerimónia de inauguração das novas instalações do Centro Professor Albuquerque e Castro (CPAC), criado em 1956 para impressão em Braille.

Segundo o provedor, a produção do JN em Braille era feita pelo CPAC, contudo, a entrada da troika em Portugal obrigou a medidas de reajustamento e à sua suspensão. “Com a ajuda da Águas do Porto, o empenho da SCMP e do JN vai ser possível ter em breve o jornal em Braille”, sublinhou.

A edição de mil exemplares em Braille do JN, que reunirá um conjunto de “notícias mais significativas”, será também distribuída por países de língua oficial portuguesa, concluiu.

De acordo com informação disponível na internet, a edição Braille do JN, que se iniciou em 2000, “demora oito horas a imprimir, gasta mais de 12.300 folhas de papel preparado para receber relevo e é lida por cegos em 14 países”.

A Imprensa Braille existe na SCMP desde 1956, fundada pelo professor Albuquerque e Castro.

O CPAC tem como objectivo principal a produção de livros, revistas e outros materiais editados em Braille.

In: I online

DA INCLUSÃO. A HISTÓRIA DO TITA

O caso já tinha sido divulgado nas redes sociais e na imprensa regional. Uma discoteca em Abrantes proibiu a entrada a um jovem com Trissomia 21 alegando que pessoas com deficiência não podem frequentar aquele espaço. Hoje chegou ao Público com a informação de que existe uma queixa formal contra o estabelecimento por discriminação.
O argumento seria ridículo se não fosse mais um exemplo fortíssimo do que está por fazer no que respeita à qualidade de vida, dignidade e direitos das pessoas com deficiência. Como sempre afirmo o verdadeiro critério da inclusão é a participação nas actividades das comunidades em que as pessoas, todas as pessoas, vivem. Tem sido sempre assim, a história da inclusão é a história da democracia, da participação de todos.

O episódio mostra como essa participação é inibida.

No entanto e a este propósito volto a uma questão que várias vezes aqui refiro e que me preocupa muitíssimo, a proliferação de situações, designadamente no que respeita a crianças, adolescentes e jovens com necessidades especiais, que "vivem do lado de fora" das actividades das comunidades educativas em que por direito deveriam estar incluídos e não "entregados" ou nem isso.

Na verdade, apesar de excelentes práticas e ao abrigo de legislação que, em nome da inclusão, sublinhe-se, acomoda a exclusão, muitos crianças e jovens vão sendo acantonadas em espaços curriculares que os "debilizam" ou em espaços físicos, dentro ou fora das escolas, que os empurram para baixos quando não inexistentes níveis de participação nas actividades das comunidades educativas a que por direito pertencem.

Existem famílias de alunos com NEE que vão sendo "aconselhadas" a que os seus filhos "frequentem" durante mais tempo as instituições de ensino especial que, naturalmente, precisam de mais apoios para receber os alunos matriculados nas escolas regulares e que em nome da inclusão passam cada vez mais tempo em instituições ou espaços pouco inclusivos ou mesmo segregados.

Pois é Tita, essa coisa de ir a um espaço de diversão com os amigos não é para todos., Desculpa lá, pá, mas tens uma cara estranha e os outros clientes podem ficar incomodados, vai até casa e vê televisão. É melhor para ti, é mais sossegado. Para todos.

Texto de Zé Morgado

terça-feira, 19 de maio de 2015

DA MUNICIPALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO


Segundo o parecer arrasador do Conselho de Escolas o contrato a estabelecer com as autarquias irá possibilitar que serviços, atividades e/ou projetos, nomeadamente de administração escolar, papelaria, refeitório, biblioteca, bem como serviços de apoio educativo, incluindo psicologia ou desporto escolar, possam ser subcontratados a operadores privados.

O Conselho de Escolas e as associações de directores acusam ainda o MEC "desprezar as escolas", ou seja, ter actuado em modo Crato, não as ter ouvido neste processo que, no seu entendimento, diminui a autonomia apesar da retórica do Governo.

De novo algumas notas. Em primeiro lugar expressar alguma reserva face ao entendimento que o MEC tem de “projectos-piloto”. Se consideramos, por exemplo a generalização dos cursos vocacionais sem que as “experiências piloto” fossem avaliadas ou as mudanças curriculares sem avaliação do currículos que estavam em vigor, a municipalização nestes moldes é um caminho já traçado e corresponde, evidentemente, à visão do Ministro.

Mais uma vez e enquanto for possível, insisto na necessidade de se considerarem com atenção os resultados de experiências de "municipalização" realizadas noutros países nos termos em que Nuno Crato se vai referindo a este movimento, e cujos resultados estão longe de ser convincentes. A Suécia, por exemplo, está assistir-se justamente a um movimento de "recentralização" considerando os resultados, maus, obtidos com a experiência de municipalização.

Por outro lado, o que se vai passando no sistema educativo português no que respeita ao envolvimento das autarquias nas escolas e agrupamentos, designadamente em matérias como as direcções escolares, os Conselhos gerais ou a colocação de funcionários e docentes (nas AECs, por exemplo) dá para ilustrar variadíssimos exemplos de caciquismo, tentativas de controlo político, amiguismo face a interesses locais, etc. O controlo das escolas é uma enorme tentação. Podemos ainda recordar as práticas de muitas autarquias na contratação de pessoal, valorizando as fidelidades ajustadas e a gestão dos interesses do poder.

Assim sendo, talvez seja mesmo recomendável alguma prudência embora, confesse, não acredite pois não se trata de imprudência, trata-se de uma visão, de uma agenda.

Ainda nesta matéria e dados os recursos económicos que se anunciam através das verbas comunitárias para além dos dinheiros públicos, parece clara a intenção política de aumentar o "outsourcing", a intervenção de entidades e estruturas privadas que já existem nas escolas, muitas vezes com resultados pouco positivos, caso de apoios educativos e do recurso a empresas de prestação de serviços, (de novo o exemplo das AECs).

Está expressa nos Projectos de contrato a intenção de contratar a privados a prestação destes serviços nas escolas, incluindo no universo da inclusão, um modelo ineficaz pois a intervenção de qualidade e adequada dos técnicos, designadamente de educação ou psicólogos, depende, evidentemente, da sua pertença às equipas das escolas e não é compatível com a prestação de serviços por técnicos de fora em regime de "consulta".

Um modelo deste tipo, estruturas e entidades privadas a intervir em escolas públicas, só é garantidamente bom para as entidades a contratar, não, muito provavelmente, para alunos, professores e escolas. Mas acontece, claro, que a visão de municipalização do MEC é justamente esta, o incremento e apoio a um nicho de mercado.

Finalmente, uma referência ao equívoco habitual entre autonomia das escolas e municipalização. De acordo com o modelo proposto e conforme os directores têm referido recorrentemente a autonomia da escola não sai reforçada, antes pelo contrário, passa para as autarquias por delegação de competências do MEC. O imprescindível reforço da autonomia das escolas e agrupamentos não depende da municipalização como muitas vezes se pretende fazer crer.

Confundir autonomia das escolas com municipalização é criar um equívoco perigoso e frequentemente não passa de uma cortina de fumo para mascarar os caminhos dos negócios da educação.

Texto de Zé Morgado

segunda-feira, 18 de maio de 2015

DA ABSURDIDADE DO MEC

A narrativa que se vai construindo a propósito dos exames de 4º e 6º anos do Básico mostra, mais uma vez o absurdo entendimento de "normalidade" da equipa da 5 de Outubro que, do meu ponto de vista, remete mais para a absurdidade.

Deslocalizam-se os miúdos para que não realizem os exames na sua escola, estabelecem-se regras rigorosas para enfrentar os potenciais delinquentes que se apresentam a exame, desconfia-se dos professores impedindo-os de acompanhar os seus alunos, no passado foi assim, os exames não podiam ser vigiados por professores das disciplinas em exame.

Claro que boa parte destas regras não se aplicam aos estabelecimentos de ensino privado pois estes são frequentados por pessoas de bem, entidades proprietárias, directores, professores, pais e alunos

Realizam-se a meio do período torpedeando completamente o trabalho de aprendizagem pois o período é muito curto e todo o trabalho é centrado nos exames, sendo que os que alunos que tenham insucesso terão aulas de compensação e uma "Nova Oportunidade" cuja eficácia está, evidentemente, por provar.

Fecham-se as escolas aos alunos dos outros anos de escolaridade, obrigando os pais a aceitarem a excepcionalidade da situação sob pena de ficarem responsáveis por perturbar o que já nasceu perturbado.

Determina-se que os professores que avaliam os exames sejam dispensados das aulas mas que os seus alunos deverão tê-las, não sabendo boa parte das escolas como providenciar aulas sem professores disponíveis. A situação implica também que muitos alunos com necessidades educativas especiais fiquem estes dias sem os apoios habituais porque os seus professores são deslocados para o serviço de exames.

O Conselho de Escolas afirma que o MEC, negligenciando a realidade das escolas, decide de forma a lançar a perturbação nas escolas.

No entanto, como sempre, o Ministro da Educação virá dizer que tudo decorreu com a maior normalidade e que no quadro de autonomia(?) das escolas todas as situações estão e foram devidamente acauteladas.

Na verdade tem razão, já nos habituámos a esta normalidade, uma espécie de absurdidade.

Texto de Zé Morgado

POLÍTICAS DE FAMÍLIA


Como é evidente, os custos da oferta privada de creches e jardins de infância e a sua inexistência em comunidades pouco atractivas em termos de rentabilidade agravam a situação para as famílias que desejam projectos de vida com filhos.

Como aqui escrevia há dias, Portugal integra o grupo com menores apoios sociais para que os pais fiquem mais tempo em casa com filhos pequenos sendo que sobretudo nas zonas mais urbanas, (o interior desertifica-se o que também contribui para a baixa natalidade), a oferta de estruturas formais de acolhimento de bebés e crianças é insuficiente. Acresce ainda e é preciso sublinhar que Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças.

Vivemos com uma taxa de desemprego que, oficialmente, ronda agora os 15% mas que sabemos atingir bastante mais gente. Muitas destas pessoas são sobretudo jovens ou mais idosos, o que, por razões diferentes, uns não podem assumir o encargo com filhos, os outros porque não têm recursos para ajudar os seus filhos, torna difícil a promoção da natalidade.

Em tempos altamente competitivos com a proletarização do trabalho com cortes sucessivos nos salários e nas prestações sociais, as pessoas hipotecam os projectos de vida em troca das migalhas que permitam a sobrevivência o que lhes retira margem negocial ou liberdade de escolha.

A fiscalização e regulação são insuficientes, uso e abuso de estágios não remunerados ou miseravelmente pagos e que não asseguram continuidade, condições de trabalho degradantes cuja não aceitação implica a perda do lugar em troca por alguém ainda mais necessitado e, portanto, calado. Veja-seo caso hoje noticiado no Público de um enfermeiro que terá sido despedido por ter gozado a licença de paternidade.

A promoção de projectos de vida familiar que incluam filhos implica, necessariamente, intervir nas políticas de emprego e protecção do emprego e da parentalidade, na discriminação e combate eficaz a abusos e a precariedade ilegal, na inversão do trajecto de proletarização com salários que não chegam para satisfazer as necessidades de uma família com filhos e custos elevados na educação apesar de uma escolaridade dita gratuita, na fiscalidade, por exemplo. A questão é que a política que tem vindo a ser seguida não permite acreditar que existam alterações.

Por outro lado, é urgente a acessibilidade real (na distância e nos custos) aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida.
É uma questão de futuro.

Texto de Zé Morgado

Albardar os exames à vontade do dono?

Há resultados de exames feitos por “encomenda”? O MEC nega, mas a suspeita foi lançada. E se houver?

Se fosse vinho, chamavam-lhe “martelado”; se fosse vestuário, diziam-no “contrafeito”; mas tratando-se de exames, como explicar a eventualidade de “modificação” de notas finais a pedido seja de quem for? A hipótese, por académica que seja, conduz-nos a um cenário surreal. Quem ler estas linhas não tome já isto por certo, mas o que foi dito (e ouvido) ontem em Coimbra, numa conferência pública, dá – pelo menos – que pensar.

Nessa conferência, o presidente do Conselho Científico do Iave afirmou que o Ministério da Educação (MEC) tem feito “a encomenda dos exames nacionais” com a indicação de que se deve “manter a estabilidade nos resultados” dos alunos “em relação aos anos anteriores, porque socialmente é difícil de explicar que as notas tenham grandes variações”. Isto, que já de si causaria perplexidade, foi acrescido de alguns pormenores sobre como alterar os resultados finais com recurso a pequenos “truques” técnicos. Disse ele: “Hoje temos um historial de cinco mil itens a Português, por exemplo. Se quero que haja notas altas é muito fácil. Pego numa ou em duas perguntas, substituo-as por outras, aparentemente semelhantes, e a minha expectativa em relação aos resultados dá um salto de cinco valores”. Mais adiante disse que “não é segredo para ninguém que as equipas do Iave que realizam os exames fazem uma estimativa de que resultados, em média, cada exame vai ter”. E não só “acertam em 95 % dos casos” como “conseguem fazer um exame para a nota que querem”. Dito assim, é espantoso: se os resultados fossem encomendados para se aproximarem de uma determinada nota, a equipa conseguiria “fabricar” exames à medida. E quando alguém, da assistência, comentou que seria “vão” o esforço de professores e instituições para melhorar os resultados de Física e Química quando estes dependeriam “de uma decisão política”, o presidente do Conselho Científico do Iave respondeu que valia a pena o esforço, até porque “a Sociedade Portuguesa de Física e a Sociedade Portuguesa de Química, com a colaboração do próprio Iave, têm tentado mudar essa situação, mesmo contra os pedidos políticos que têm sido feitos”.

Contactado, o MEC nega. Através do seu gabinete de imprensa, disse ao PÚBLICO que, nos termos da lei, envia ao Iave “cartas de solicitação” que “explicitam os instrumentos que o membro do Governo responsável pela área da educação pretende aplicar e as especificações técnicas a que os mesmos devem obedecer”, mas sem aludir a quaisquer resultados. Pede, sim, que as provas mantenham “semelhança conceptual e estrutural com as provas equivalentes de anos anteriores” e, em particular, “um grau de exigência global semelhante e uma distribuição das questões por grau de complexidade semelhante”...

Na gíria popular, costuma dizer-se: albarde-se o burro à vontade do dono. Ou seja: faça-se as coisas consoante a vontade de quem as manda fazer. Esperamos que nesta história não haja donos nem burros. Mas, ao ouvir o que se ouviu em Coimbra, o mínimo que se exige é que alguém anule categoricamente, em público, a incómoda sombra da suspeita.

In: Público

sexta-feira, 15 de maio de 2015

DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA. QUE PODEREI DIZER?

Daqui a pouco vou fazer-me à estrada até Viseu para responder a um convite simpático da Fenprof para participar amanhã numa conferência na ESE de Viseu dedicada ao tema "Inclusão, o grande desafio do futuro".

Tenho a certeza de que o convite decorre de uma genuína vontade de reflectir sobre esta questão, educação e escola inclusiva. Confesso, no entanto, que estou aflito e preciso da vossa ajuda.

Que poderei dizer sobre educação inclusiva e futuro num tempo presente em que a Educação, no sentido mais nobre e vasto do termo, está revista em baixa, transformando-se cada vez mais em Aprendizagem de competências instrumentais normalizadas, sujeitas a uma febre de medida que passa a ser o tudo da educação e que de Inclusiva tem muito pouco?

Logo de muito novos os miúdos começam a passar por sucessivos crivos, exames escolares ou Classificações de outra natureza. Muitos são identificados por etiquetas, "repetentes", "dificuldades de aprendizagem", "necessidades educativas especiais permanentes", "hiperactivos" "autistas", etc., agrupam-se os miúdos com base nessas etiquetas, do ensino vocacional, às unidades ou escolas de referência e guetizam-se por espaços, entre a escola e as instituições, de novo e cada vez mais.

É verdade que também temos excelentes exemplos de trabalho em comunidades educativas que, tanto quanto possível e com os recursos de que dispõem, se empenham em estruturar até ao limite ambientes educativos mais inclusivos em que todos, mesmo todos, participem. Como sempre afirmo, a participação é um critério essencial de inclusão.

Devo falar do copo meio cheio ou do copo meio vazio?

Existem miúdos que não estão ou não se sentem a fazer parte da comunidade educativa em que estão, não “integrados” mas “entregados”, por várias razões e nem sempre por dificuldades próprias.

Existem pais que não estão ou não se sentem a fazer parte da comunidade educativa em que os seus filhos cumprem os dias.

Existem professores que não estão ou não se sentem a fazer parte da comunidade educativa onde se empenham e querem trabalhar apesar dos meios e recursos tantas vezes insuficientes e desadequados.

Existem orientações normativas e políticas que, sempre em nome da inclusão, acabam por promover ou facilitar a exclusão.

Existem direcções escolares, poucas quero acreditar, que gostariam de ver as suas escolas ou agrupamentos mais “bem frequentadas”, alguns miúdos só criam dificuldades e atrapalham os resultados das escolas.

Será a nossa escola inclusiva? Passará o futuro da nossa escola pública pelos princípios da educação inclusiva?

Que devo ou posso responder?

Eu quero acreditar que sim.

Texto de Zé Morgado

O testemunho de uma mãe de uma criança com esclerose tuberosa

Esta sexta-feira assinala-se o dia para a consciencialização de esclerose tuberosa. Zélia Figueiredo, fundadora da associação de esclerose tuberosa e também mãe de um portador desta doença, esteve na TVI24

Para ver a entrevista clique aqui.

In: TVI24

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Antes de ler e escrever, há muito para fazer

O que devem fazer as crianças antes e depois de entrarem no 1.º ciclo? Brincar, conviver, descobrir o mundo que as rodeia. É tempo de contactar com outros meninos e meninas, promover a socialização, saber estar, partilhar, ouvir e conversar.

Há muito para fazer e descobrir antes de ler, escrever e somar, considera Rita Castanheira Alves, psicóloga clínica especializada na área infantil e juvenil e de aconselhamento parental, autora de um projeto que está no site www.psicologadosmiudos.com, e que acaba de lançar o livro “A Psicóloga dos Miúdos”. Antes de entrar no 1.º ciclo, há competências a desenvolver e a estimular nas crianças. “Nos jardins de infância seguem-se diretrizes e planos normativos, mas há muito espaço para abordagens e perspetivas diferentes. Em casa, há pais que estimulam desde cedo umas competências em detrimento de outras”. Há muito para descobrir desde a nascença até à matrícula no 1.º ciclo. “Dar os primeiros passos no desafio de descobrir quem é, no aprender a ser pessoa, a distinguir-se dos outros, a criar uma individualidade, a sentir-se gostada e a saber gostar”, especifica.

Rita Castanheira Alves considera que é tempo de desenvolver competências a que chama “assuntos de toda a vida e mais além”, ou seja, capacidades e aprendizagens que serão a base para a vida real, no mundo, com os outros e consigo mesmo. “Esta fase é essencial para os pais e educadores ‘trabalharem’, de forma natural, no dia a dia, em brincadeiras e nas rotinas com a criança, a tolerância à frustração, a autoestima, a autoconfiança, a persistência, a solidariedade, a partilha, os limites e o saber errar e sem nunca esquecer, a literacia emocional, dando-lhes a possibilidade de conseguirem identificar em si, nos outros, expressar e regular as emoções, competência transversal para todas as aprendizagens que se seguem, seja na educação formal ou na vida além escola”, refere. 

Antes de se sentar na cadeira da escola, a criança dá os primeiros passos na autonomia e independência para que, desde cedo e de forma natural, se sinta segura, capaz de gerir os desafios que surgirão a qualquer momento. Na escola também. “Uma criança feliz, tranquila, competente pessoal, social e emocionalmente terá maior probabilidade de ter sucesso académico e estar preparada para os desafios mais formais da educação, porque serão também crianças mais motivadas intrinsecamente”.

Nesta fase, é importante criar desafios e situações adequados às características e fases de crescimento da criança para desenvolverem a sua capacidade de resolução de problemas. “Saber que pode ser difícil, mas que é possível tentar e no meio disto ajudá-la a saber errar, porque na escola irá errar para aprender. Como tal, saber acima de tudo errar, confrontar-se com o erro e com a nova tentativa e saber que isso faz parte da aprendizagem de todos nós, até dos pais”. “Ajudar a par do erro, a criança a arriscar, a compreender os riscos e a tomar decisões com os riscos que tem, seja numa simples escolha de duas hipóteses de brincadeira”.

Nos primeiros anos de vida, é fundamental experimentar, desenvolver competências artísticas, a agilidade motora. É tempo de contactar com outras crianças, jovens, adultos, desenvolver a socialização, saber estar e partilhar, ouvir e conversar. É tempo de brincar com meninos e com meninas, com bonecas, carrinhos, animais ou puzzles. “Nesta fase, a brincadeira com a criança é o maior motor de desenvolvimento de todas estas capacidades essenciais para o que se segue.” A brincadeira é um meio para tornar as aprendizagens naturais, descontraídas, fáceis, e eficazes, e ainda criar vínculos afetivos com a criança. 

A criatividade e a imaginação também têm um papel importante. “Ajudar a criar, a imaginar, seja por histórias, teatros caseiros, brincadeiras de tapete ou músicas”. “A criatividade é fundamental para a preparação da criança para a fase das aprendizagens escolares. Na fase pré-escolar, a criatividade de todas as formas é um grande recurso e um ingrediente que se pode usar bastante, a par com a curiosidade”. Ajuda-se a olhar para o que a rodeia, estimula-se o questionamento, responde-se quando pergunta, pergunta-se também, procuram-se respostas. 

Aprender e experimentar ser feliz. Saber escrever o nome, decorar letras, contar até 20 sem enganos poderá vir noutro tempo, quando o 1.º ciclo chegar. Rita Castanheira Alves considera que há muito para fazer antes disso. “Ou se calhar, com o foco e investimento nestas competências pessoais, sociais e emocionais, gradualmente e antes do 1.º ciclo, a vontade da criança em saber o seu nome, em aprender a contar e a mostrar sinais de que está preparada para a aprendizagem escolar aparecerá espontaneamente”. “Vale a pena tentar”, refere. 

Brincar é como respirar 

Até aos 6 anos, a criança encontra-se numa fase de acelerado desenvolvimento a vários níveis: físico, motor, social, cognitivo, emocional e linguístico. Desenvolvimento e aprendizagem andam de mãos dadas. As relações e interações que os mais pequenos estabelecem entre si e com os adultos, as experiências proporcionam novas aprendizagens, tudo isso contribui para o desenvolvimento. 

Para Cristina Parente, professora auxiliar do Departamento de Estudos Integrados de Literacia, Didática e Supervisão, do Instituto de Educação da Universidade do Minho, importa apreender quem é a criança. A criança quer conhecer e compreender o mundo que a rodeia, tem saberes e experiências e, por isso, faz perguntas e envolve-se em projetos para encontrar respostas para as suas curiosidades. A criança coloca desafios aos pais, à creche, ao jardim de infância, à comunidade. “Esta compreensão desafia os pais e os decisores a procurarem proporcionar as melhores oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, desde cedo às crianças, tendo como referência a necessidade de educar cada um até ao limite das suas possibilidades, procurando, ao mesmo tempo, conseguir a integração de todos.” 

A criança cresce, aprende, desenvolve-se através de interações que estabelece com as pessoas que a amam, que cuidam dela, que lhe dão segurança, que estão atentas às suas características e que a desafiam. “De facto, o processo de educação da criança ocorre num continuum entre os contextos de educação não formal e os contextos de educação formal, entre os quais se destaca e família e os contextos de educação de infância”, refere Cristina Parente. 

“Naturalmente que a criança constrói muitas aprendizagens e se desenvolve nos contextos da educação informal através dos processos de socialização nas relações intrafamiliares e extrafamiliares. Mas este tipo de resposta, por si só, parece não ser suficiente tendo em conta as muitas solicitações das famílias e os limitados apoios na sociedade atual urbanizada, globalizada e multicultural. O contexto da educação de infância emerge como uma alternativa mais consistente e integrada para, em colaboração com as famílias, responder ao desafio da educação das crianças pequenas”, sublinha a professora do Instituto da Criança da Universidade do Minho.

Segundo Maria José Araújo, professora da Escola Superior de Educação do Porto, nos primeiros anos de vida, e não só, é importante brincar, criar condições para que as crianças brinquem. “Brincar é muito importante em todas as fases da vida, mas nesta fase é fundamental. Para a criança é como respirar”, garante. A socialização também tem uma palavra a dizer. “É com o grupo de pares, com outras crianças, que criam e recriam as culturas da infância”. “É fundamental conversar com os filhos e garantir uma instituição de pré-escolar que valorize o brincar e o diálogo”, sublinha. 

Os pais devem, na sua opinião, saber respeitar os tempos e os ritmos das crianças e compreender que brincar garante equilíbrio e bem-estar. Há um erro que convém evitar: há pais e encarregados de educação que procuram no pré-escolar conteúdos do primeiro ano do 1.º ciclo. “A escola é muito importante e é por isso mesmo que antes de entrar para o 1.º ciclo do Ensino Básico, mas também durante, o mais importante é criar condições para que as crianças brinquem”. 

É preciso, sublinha, valorizar as brincadeiras das crianças como elementos essenciais de relação com a natureza e com a cultura do mundo adulto. Ao longo da vida, precisam de atividades equilibradas. “As crianças aprendem regras de cooperação e respeito brincando. É essencial que os educadores compreendam isso e valorizem”. Brincar é, afinal de contas, um direito. “O brincar e as brincadeiras, enquanto manifestações coletivas, ajudam a criança a desenvolver relações sociais com o seu grupo de pares e com os adultos, apelando à memória coletiva”, realça Maria José Araújo.

Por: Sara Oliveira

In: Educare