Nos próximos 5 anos vão ser aplicadas na educação portuguesa verbas muito significativas provenientes de fundos comunitários. As prioridades de utilização destes fundos foram regulamentados pela portaria 60–C/2015 (março de 2015) publicada pela Presidência do Conselho de Ministros e pelo Ministério da Educação e Ciência e elaborada no âmbito da Comissão Interministerial de Coordenação (CIC) do programa Portugal 2020. Esta legislação enuncia um conjunto de medidas e de eixos temáticos minuciosos e cuja enumeração e comentário não é possível fazer num texto deste tipo. É possível, mesmo assim, partilhar algumas reflexões sobre este documento.
Antes de mais é muito positiva a simples chegada destes financiamentos. A Educação portuguesa foi severamente atingida por cortes de financiamento e a tão prometida meta de “fazer mais com menos recursos” revelou-se inatingível. E era aliás fácil de prever. A Educação não pode assumir a sua missão de educar todos os alunos e com qualidade se lhe forem minguados recursos em particular os recursos humanos. Olhar a educação com critérios de eficiência semelhantes aos de uma linha de produção só conduz a que os professores e os alunos se tornem multifuncionais e certamente multidispersos. Os exemplos desta dispersão originada pela multifuncionalidade dos professores são imensos. Mas partilho um deles aqui: há dias falava com a responsável de uma escola com cerca de 500 alunos do primeiro e segundo ciclo. Esta professora é diretora de turma, é docente e tem 8 horas semanais (8 horas!) para dirigir a escola. É certamente uma professora multifuncional mas a que preço? São pois boas as notícias que anunciam que estes fundos estruturais poderão vir a contribuir para colmatar estas situações dramáticas.
A questão agora é o que se vai fazer com estes financiamentos. A portaria é prolixa em programas e em intenções. Sendo positiva esta enunciação, permanece a dúvida sobre qual é o realce, a valorização de cada uma destas medidas vai merecer. Por exemplo, é dito que se vão favorecer o desenvolvimento de sistemas duais de ensino (ex. eixo prioritário iv) mas também que se vai apostar na diversidade do currículo e na inclusão. Quais destas medidas levará a maior fatia de financiamento? Vejamos: nos países em que existem sistemas educativos que criam vias diferentes para alunos desde muito cedo (os chamados sistemas duais) a diversificação do currículo é inerente aos programas de estudos que são diferentes. Outra questão é ter — como ainda temos em Portugal — um ensino unificado que implica que a diversificação do currículo se faça ao nível das turmas e em que o apoio a alunos com dificuldades é muito mais pertinente. Onde se vai apostar? Nos sistemas duais (criando vias precocemente diferenciadas para alunos que são avaliados e destinados a estas vias) ou no apoio à diversidade e ao acompanhamento do currículo de alunos frequentando vias unificadas?
Continuamos, após a imprudente publicação da portaria 275-A, a não dispor de modelos de apoio inclusivo para alunos com necessidades educativas especiais depois do 9º ano de escolaridade. O que foi apontado nesta legislação — e quase nunca cumprido — é que o currículo dos jovens com necessidades educativas especiais seria cumprido na sua grande maioria (quatro quintos das horas letivas) fora da escola regular. Pois bem, quando se abrem concursos para que as diferentes entidades se possam candidatar às verbas Portugal 2020, quais vão ser os critérios que vão ser valorizados? Aqueles que favorecem um ensino vocacional dentro da escola regular ou os projetos que retiram os jovens da escola para os colocar em enquadramentos segregados? Esta questão é muito importante porque até agora nunca foi possível provar que alguém, por exemplo com paralisia cerebral, aprende melhor se for ensinado juntamente com outras pessoas com paralisia cerebral. Pelo contrário, o que sabemos é que pessoas com condições de deficiência e sem condições de deficiência podem aprender e ensinar-se mutuamente. Podem aprender e ensinar muitas coisas desde os conteúdos curriculares às atitudes e aos valores que podem tornar a nossa convivência solidária, útil e humana.
Portugal 2020 é certamente uma grande oportunidade para retomar o fio à meada da Educação. Retomar entendido como voltar a níveis de investimento que nos permitiram diminuir o fosso entre a nossa educação e a dos outros países desenvolvidos, retomar no sentido em que estes fundos devem ser usados não para fazer mais do mesmo mas para ousar inovar a escola que tanto precisa de respirar depois de estar afogada em metas irrealizáveis, em programas asfixiantes, em modelos de ensino e de aprendizagem pouco próximos dos alunos e das suas culturas. E procurar abrir e manter um grande diálogo com os profissionais da educação, com as escolas, com as famílias, com as autarquias. Este diálogo tem faltado e não é de só agora.
O que é que nós queremos que a escola portuguesa seja daqui a 5 anos?
Por: David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão, Conselheiro Nacional de Educação
In: Público
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