Enquanto professora universitária e mãe de três crianças dos 6 aos 12 anos, partilho a minha preocupação com as crenças e políticas de educação que se têm vindo a instalar em Portugal.
1. Há uma pressão enorme para o sucesso, desde cada vez mais cedo, por parte de pais, professores e diretores de escolas.
2. Esse sucesso é entendido como ‘ter boas notas’ e espera-se que todas as crianças tenham as melhores classificações. Ou seja, desafia-se o conceito de curva normal e as noções de média, mediana e moda que, tanto quanto sei, ainda se aplicam em estatística.
3. As crianças são, desde muito cedo, orientadas para o resultado sem serem motivadas para aprender.
4. Os programas das disciplinas têm-se tornado mais extensos e pouco sensíveis aos ritmos de aprendizagem.
5. As cargas letivas têm aumentado, porque os agentes escolares estão focados em garantir uma boa classificação das escolas nos famosos rankings e porque se assume que o melhor para crianças e jovens é estarem mais tempo na escola e terem pouco tempo livre.
6. Defende-se que fins de semana, férias e feriados são para estudar; que logo no segundo ano do ensino básico, as crianças devem preparar-se exaustivamente para os exames para que… não me ocorre outro motivo que não seja a boa classificação das escolas nos rankings ou o prazer dos pais em compararem as boas notas dos seus filhos com as notas dos colegas. Para a criança de 7 anos que passa os fins de semana a estudar em vez de descansar e brincar, não consigo antever que impacto positivo podem as classificações nestes exames ter no seu bem-estar e desenvolvimento, ou no seu futuro.
7. Na verdade, tenho dúvidas de que a orientação para as classificações elevadas possa garantir um futuro melhor. Percebo que o acesso ao ensino superior fica facilitado. Mas quem garante que estes jovens vão sair-se bem neste nível de ensino? Às universidades chegam, cada vez mais, jovens ansiosos (no sentido clinico do termo), focados no resultado e indiferentes ao processo. Importa-lhes conseguir uma boa nota sem ler um livro, sem participar em conferências e, se possível, sem assistir a muitas aulas. Porque não estão motivados para aprender. Porque o que sempre importou, dos 6 aos 18, foram as classificações.
8. Na entrada para o mercado de trabalho fala-se da importância das competências transversais. Na universidade entende-se então que é preciso diversificar as estratégias de formação e desenvolvimento dos jovens adultos. Por exemplo, formá-los para o pensamento crítico, depois de passarem anos num sistema de ensino que não o valoriza; ou proporcionar-lhes experiências que promovam competências sociais, quando até então pouco se apostou em mostrar-lhes que o valor das pessoas é um bem essencial.
Perante este cenário pergunto o que aconteceria se as cargas letivas não aumentassem, se não houvesse trabalho extra para favorecer as colocações em rankings, se se apostasse na motivação para aprender, se se promovesse o ensino artístico, se a relação entre alunos e professores não se cingisse à busca das melhores classificações, se pais e crianças estivessem mais tempo juntos. Não consigo pensar em consequências negativas. Porque seria uma aposta no que importa, que são as pessoas; são as crianças e jovens fantásticos, os pais, mães e professores atentos e dedicados.
Voltando à estatística, quero acreditar que a maioria partilha destas ideias e que estão nas margens da curva normal aqueles que continuam a apostar numa cultura de educação que não promove o desenvolvimento e o bem-estar dos nossos filhos, nem um futuro melhor.
Por: Raquel Matos
Docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico.
In: Público
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