domingo, 26 de dezembro de 2010

Ler é o melhor tratamento

O atraso na aquisição da linguagem no início da infância pode ser um primeiro sinal de alerta para possíveis problemas de linguagem e de leitura. Mais tarde, quando a criança começa a falar, surgem as dificuldades de pronúncia: frases curtas e palavras mal pronunciadas, com omissões e substituições de sílabas e fonemas.
A memorização de canções e lengalengas é igualmente difícil. Já em idade escolar, as crianças têm um progresso muito lento na aprendizagem da leitura e ortografia. O discurso é pouco fluente, com pausas e hesitações, a escrita é irregular e a ortografia é desastrosa.

Aprender a ler e a escrever é relativamente fácil para a maioria das pessoas. Contudo, para os disléxicos, esta aprendizagem é mais complicada. Embora possuindo um nível de inteligência médio ou superior, crianças, jovens e até mesmo adultos são frequentemente adjectivados de "burros" ou "preguiçosos", graças a uma sociedade que cruza os braços e espera que o problema se resolva. Mas a dislexia não é uma perturbação que aparece na idade escolar e desaparece na vida adulta: passa de pais para filhos e é um "fardo" que se tem de carregar por toda a vida. A intervenção precoce é fundamental, uma vez que ajuda a minimizar as manifestações da dislexia.

Em Portugal, o tratamento desta perturbação tornou-se um negócio. Diariamente, surgem novos produtos e fórmulas que prometem soluções definitivas para a dislexia. Uma falsa esperança para os pais, que agem em prol do bem-estar dos filhos. E, por outro lado, uma fonte de rendimento para as empresas que divulgam esses produtos. Lentes prismáticas, palmilhas, sapatos e colchões ortopédicos, programas de treino psicomotor, a utilização de leitoris (para apoiar livros) ou apoios para os pés e, mais recentemente, meias, não curam a dislexia. Este problema não tem na sua origem um défice visual ou problemas psicomotores e posturais.

A leitura é o melhor tratamento para a dislexia, cujas manifestações variam de pessoa para pessoa, consoante o grau de severidade, de precocidade e a eficiência da intervenção. Vulgarmente definida como uma perturbação a nível da leitura e da escrita, a dislexia, quando não tem uma intervenção atempada e eficiente, pode afectar a auto-estima, a autoconfiança, a motivação em relação à aprendizagem e, consequentemente, conduzir ao abandono escolar. 

DISLEXIA TRATADA NA UNIVERSIDADE

A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real, é a única universidade portuguesa a dispor de uma unidade de diagnóstico e tratamento da dislexia. Esta unidade, criada em 2005 por ‘teimosia' da professora e investigadora Ana Paula Vale, recebe crianças provenientes de todo o País, que têm à disposição dois psicólogos a tempo inteiro. Os programas de intervenção são feitos especificamente para cada caso.
"HÁ LACUNAS NO ENSINO": Paula Teles, Psicóloga Educacional, especialista em dislexia
Correio da Manhã - Quais os défices associados à dislexia?

Paula Teles - Há um défice fonológico, ou seja, dificuldade na identificação e discriminação dos sons da linguagem oral. Paralelamente, existe um défice de atenção, da memória de trabalho e visual e também ao nível da automatização.

- Os professores sabem lidar com alunos disléxicos?

- Não. Há uma grande lacuna nas universidades a este nível. Os professores precisam de ter consciência de que a percentagem de crianças com dificuldade de leitura é elevada. Essas dificuldades são visíveis logo no 1.º ano de escolaridade

- Como devem ser ensinadas?

- O professor deve fazer trabalhos específicos e sistemáticos com cada criança, com leitura, ortografia e caligrafia. Há diferentes tipos de dificuldade e graus de aprendizagem.

"SEMPRE SOUBE QUE IA FICAR BOA"

Bruna Francisco, de nove anos, herdou a dislexia do pai, Miguel Francisco, de 36 anos. Tendo em conta a sua experiência enquanto disléxico, o primeiro pensamento de Miguel foi: "A minha filha está tramada." No entanto, os receios em relação ao futuro da criança não se concretizaram. 

Os pais foram alertados pela professora, mas já desconfiavam que algo se passava. "A Bruna tinha muita dificuldade em ler, andava desmotivada e evitava a leitura. Tinha boas notas a todas as disciplinas, menos a Português", explicou Miguel. Bruna tinha sete anos quando soube que era disléxica. Lia apenas sete palavras por minuto. "Fiquei abalada mas sempre soube que ia ficar boa." E a prova foi superada. Actualmente, graças aos intensos exercícios de leitura e ortografia, Bruna frequenta o 4º ano de escolaridade e tem um nível de leitura equiparado ao 5º ano. O esforço e a dedicação de Bruna também contribuíram para o êxito de mais uma batalha contra a dislexia. E o pai comprova. "Um dia, quando ia no carro, começou a ler as placas com os nomes das cidades", recorda Miguel. 

Em casa, Bruna ajuda o pai a minimizar os efeitos da dislexia. Na escola, conta com o apoio dos colegas - alguns deles também sofrem desta perturbação. Contrariamente ao que acontece com muitas crianças, incompreendidas pelos colegas de turma e também pelos professores, Bruna nunca foi alvo de troça ou posta de parte. "Os meus colegas gostavam de mim e brincavam comigo", garante. Abandonar os estudos, como acontece com muitos disléxicos, desmotivados pelas barreiras linguísticas impostas pelo seu problema, não está nos planos da menina. A disciplina preferida é o Português e, quando crescer, quer ser farmacêutica. 

PERFIL

Bruna Francisco descobriu aos sete anos que sofria de dislexia. Agora tem 9 anos e, no 4.º ano, tem um nível de leitura equiparado ao do quinto ano.

PIOR ABANDONO ESCOLAR DA OCDE

Entre os 30 países que são membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Portugal é o que regista a maior taxa de abandono escolar. De acordo com dados da OCDE relativos a 2007, apenas 73% dos portugueses tinham completado o ensino obrigatório. Em 1998, os números eram bem mais negros: a taxa de abandono escolar ascendia aos 82%. 

De acordo com a avaliação da OCDE, a ‘medalha de ouro' vai para a República Checa, com apenas nove por cento de abandono escolar, seguida dos EUA (12 por cento) e do Canadá (13 por cento). 

1 comentário:

  1. Descobri que sou dislexica somente no ensino médio. Passei pelo ensino fundamental com o rótulo de "burra" e ia para a próxima série porque na minha época a aprovação era automática.
    A escola ainda não está preparada para trabalhar com alunos dislexico. Infelizmentee!

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