segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Memória de uma visita de estudo

Avisamos, desde já, que quem vai à Escola da Ponte com visita marcada e está à espera que um grupo de professores e professoras faça de guia, está muito enganado. Nesta escola quem nos guia e responde às (imensas) questões são alunos e alunas.

Direcção: Escola da Ponte

Escola da Ponte: de que escola estamos a falar?

Há muitas formas de descrever a Escola EBI das Aves mas a maior parte das pessoas conhece-a simplesmente por "Escola da Ponte".

"Ponte" é uma referência puramente geográfica que poderá ser enganosa para alguns novatos: sabendo antecipadamente que se trata de uma escola que tem um projecto pedagógico pouco convencional, poderíamos legitimamente pensar que se pretende fazer a "ponte" entre uma educação transformadora e uma educação convencional.

Inaugurada na década de 70 pelo professor José Pacheco, que ainda hoje é referência na escola, é motivo de orgulho para toda a comunidade educativa: professores e professoras, alunos e alunas, funcionários e funcionárias, encarregados de educação. Para nós era uma escola sobre a qual ouvíamos falar como um modelo de educação, uma escola ideal. Por isso, eram grandes as expectativas. "Funciona mesmo?"

A nossa visita!

Avisamos, desde já, que quem vai à Escola da Ponte com visita marcada e está à espera que um grupo de professores e professoras faça de guia, está muito enganado. Nesta escola quem nos guia e responde às (imensas) questões são alunos e alunas. É uma das suas responsabilidades para com a comunidade.

Mas comecemos pelo início... As instalações são pequenas e a escola está aberta. Não existe porteiro, qualquer um entra livremente pelo pátio da escola. A nós pareceu estranho, mas a verdade é que não estamos num grande centro urbano... Estamos numa pequena vila, a Vila das Aves, situada a cerca de 30 km do Porto.

Depois, enquanto esperávamos pela nossa visita, estranhámos um recreio sem correrias nem atropelos, sem brigas ou empurrões. "Estas crianças brincam!?", foi a pergunta que nos fizemos.

À hora marcada, fomos divididos em três pequenos grupos pelos nossos guias. A primeira coisa que nos mostraram: o placard de direitos e deveres de todos e todas, inclusive dos visitantes. Do direito de o visitante "permanecer nos espaços onde os alunos e alunas se encontram a trabalhar, sem perturbar" ao dever de "desligar o telemóvel" foram todos discutidos e aprovados entre actores educativos.

Nos corredores tudo muito calmo!

Fomos a algumas das salas da "iniciação" (1.º ciclo), da "consolidação" (2.º ciclo) e do "aprofundamento" (3.º ciclo). Vimos trabalhos e projectos, alunos e alunas a consultar manuais em mesas-redondas e a desempenhar tarefas às quais chamam de "responsabilidades". Na mesma mesa pudemos encontrar crianças a estudarem matérias diferentes e, mais surpreendente ainda, a ajudarem-se mutuamente. Em cada sala um ou dois professores facilitava todo o processo.

Aqui as crianças estudam... o que lhes interessa. E, no final de cada ciclo convencional, tal como todos os alunos e alunas do país, têm que ter as competências necessárias para transitar de acordo com o programa do Ministério da Educação.

Ah! Não existem livros adoptados por disciplinas, mas estantes com vários livros de exploração para cada disciplina. Também não existe uma Biblioteca ou Centro de Recursos uma vez que os livros "alimentam" as diversas salas.

Em cada sala estão afixadas folhas que ajudam no planeamento e no desenvolvimento do percurso escolar de cada criança. Na folha "Objectivos da quinzena" estão apresentados os objectivos de cada disciplina para aquele período de tempo e que podem ser reformulados caso o aluno/a não consiga cumpri-los. "Já Sei" é a folha onde os/as alunos/as se propõem a avaliação sobre os conteúdos que já aprenderam, enquanto na folha "Preciso de Ajuda" pedem auxílio aos professores para dar uma "grande aula" ou aos colegas para compreenderem melhor um determinado conteúdo.

As folhas "Acho bem" e "Acho mal" são abertas a comentários sobre a escola e o desenvolvimento das actividades. Também é possível levar livros para casa, basta preencher a folha "Pesquiso em casa".

No campo de futebol tudo calmo, tudo muito calmo!

Todas as semanas há sessões da Assembleia de Escola. Têm assento nela todos os membros da comunidade, inclusivamente os visitantes que se encontrem na escola. A comissão que organiza e prepara as actividades da Assembleia é eleita no inicio do ano lectivo e mantém-se em funções até ao final do ano. No dia em que estivemos em Vila das Aves um grupo de crianças, juntamente com um dos professores, preparava as questões que seriam levadas à Assembleia seguinte.

Mas porque está tudo tão calmo comparativamente às nossas escolas?

"Lá longe, a Ponte"

Longe: distância marcada em diferentes sentidos. Distância em quilómetros, é longe da capital e certamente é uma vila com uma realidade muito diferente da conhecida por nós, moradores e educadores em grandes centros urbanos.

Mas também distância em relação à prática educativa da maioria das nossas escolas. Alguma vez nos perguntaram, enquanto alunos e alunas, o que queríamos aprender? Nas nossas escolas promove-se a autonomia e a capacidade de iniciativa?

"Nós aqui somos livres!", diz-nos um dos alunos durante a visita. Percebe-se que a autonomia e a responsabilização têm um papel preponderante no processo educativo.

As crianças estudam ao seu próprio ritmo, autopropõem-se trabalhar determinadas temáticas e responsabilizam-se pela sua própria aprendizagem.

Os professores e as professoras têm o papel de facilitadores e desafiadores: apoiam, orientam, ensinam, motivam, estruturam os percursos de uma forma flexível, mas de acordo com o programa estipulado pelo Ministério da Educação. E o ambiente é verdadeiramente democrático: das folhas fixadas nos placards à Assembleia de Escola a participação é regra!

É evidente que a Escola da Ponte não é a escola ideal. "Nem tudo é perfeito, o que se tenta sempre é desenvolver as coisas da melhor forma", diz-nos uma das crianças. Também é evidente que nos ficam imensas perguntas sobre este projecto: quantos professores são necessários para pôr de pé este projecto? Os professores estão sobrecarregados de burocracia como nas outras escolas? Como são as provas de avaliação que são feitas depois do "Já Sei"? Qual a opinião dos professores e professoras das escolas para onde vão depois estes alunos e alunas? Será que um aluno (de)formado pelo sistema durante X anos poderia frequentar uma Escola da Ponte?... Não são responsabilidades a mais para as crianças? Afinal, estas crianças parecem mais crescidas do que muitos crescidos!

Mas o facto é que a Escola da Ponte promove realmente uma "ponte" entre o saber, o saber ser e o saber fazer, estimulando o trabalho cooperativo, a partilha de saberes e de experiências de aprendizagem entre pares. É uma escola onde os alunos e alunas são os verdadeiros protagonistas.

É uma escola com um segredo: todos os actores educativos, mesmo todos, participam na vontade, na construção, no desenvolvimento e na "defesa" deste projecto educativo.

Dificilmente este projecto poderia ser desenvolvido por um só professor ou professora. Mas cada um de nós poderá transformar a sala de aula num verdadeiro espaço de democracia e autonomia: porque não implementar o "Acho Bem" e "Acho Mal" e quem sabe implementar o "Já Sei" e o "Preciso de Ajuda"? Porque não desenvolver a ideia de Conselho de Turma? Cada um de nós, se for persistente, tem o poder de mobilizar outros e de, em conjunto, influenciar práticas e políticas que se adeqúem à realidade sociocultural das nossas regiões.

Nota: O presente artigo foi escrito a várias mãos pois integra citações de textos elaborados pelas educadoras e educador acima citados.
 
Por: Grupo Informal de Educação para o Desenvolvimento na Escola Cláudia Gonçalves, Elsa Mota, Luísa Costa, Lurdes Costa, Manuelly Veloso, Orlando Correia, Patrícia Fernandes, Patrícia Santos, Raquel Pinheiro e Rute Moreira - Educadoras e educador (da educação formal e não formal) participantes na visita de estudo realizada à Escola da Ponte, no dia 16 de Março de 2010, promovida pelo Grupo Informal de Educação para o Desenvolvimento na Escola (CIDAC, FGS e ISU).
 

2 comentários:

  1. O artigo é delicioso de ler.. fiquei com a sensação que estava a entrar na escola da ponte em "bicos dos pés"para não perturbar o seu funcionamento.
    Será que algum dia existirão mais "escolas das pontes"???

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  2. Já lá estive e é assim mm. Sem dúvida Patricia (Tixa)apetece q hajam muitas mais.

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