A defesa de Renato Seabra pode alegar um surto psicótico e pedir a inimputabilidade do principal suspeito da morte de Carlos Castro, mesmo depois de este ter confessado o crime? A hipótese continua em cima da mesa e não tem, como muitos casos de diagnóstico em consultório, uma resposta definitiva. Duzentos anos depois do médico francês Philippe Pinel ter publicado o primeiro tratado sobre doenças mentais, e com 400 perturbações definidas, a fronteira entre a sanidade e uma perturbação clínica continua a não ser óbvia. A Associação Americana de Psiquiatria (APA) e a Organização Mundial de Saúde estão a rever as indicações para diagnóstico e indicação das doenças e síndromes psiquiátricas, mas algumas propostas - como diagnosticar um "risco de psicose" a indivíduos sem qualquer surto e com base na incidência de "pensamentos estranhos" - têm merecido críticas. Uma das vozes mais contestatárias é Allen Frances, o psiquiatra que coordenou a última revisão do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais da APA, em 1994. Teme que a rede de sintomas encolha cada vez mais a esfera da "normalidade", com estigma social e tratamentos desnecessários.
Na edição de Janeiro da "Wired", Frances admite que é "virtualmente impossível" definir com clareza as fronteiras de um distúrbio psiquiátrico. Já no ano passado tinha dito ao "Los Angeles Times" que pequenos acertos nas classificações podem ter um impacto dramático. "[Na última revisão] tentámos ser conservadores, mas criámos três falsas epidemias: a desordem do défice de atenção, o espectro autista e a doença bipolar infantil." Conhecida a nova proposta de revisão do manual, que neste momento está a ser testada por psiquiatras, depois de ter passado a fase de discussão pública, Frances questiona novos "erros", como a definição da desordem alimentar compulsiva com base em situações que podem confundir-se com episódios de gula - comer de forma compulsiva pelo menos três vezes por semana. Condena também a definição de uma "desordem cognitiva ligeira", por poder estigmatizar a natural perda de memória com a idade.
Apesar dos avanços científicos, muitos diagnósticos continuam a assentar em listas de sintomas demasiado estáticas. "Não há uma patologia clara no cérebro que os defina, como acontece num AVC ou numa esclerose múltipla", resumiu ao i Alex Tulloch, do departamento de psiquiatria do King''s College London, onde em 2010 foi criado um pioneiro centro de ciências forenses e neurodesenvolvimento. Craig Michael, investigador sénior neste departamento, não tem dúvidas que os avanços da genética e da imagiologia cerebral em breve começarão a dar frutos. "A psiquiatria é talvez a única fronteira da medicina moderna que falta compreender. Provavelmente, este é o período mais entusiasmante para os investigadores nesta área, à medida que vamos descobrindo as bases biológicas para muitas perturbações mentais." Mas na clínica as dificuldades mantêm-se. "Em muitos casos ainda dependemos das consequências para separar os doentes dos não doentes. Por exemplo: a depressão é uma experiência humana comum. Para ser considerada uma doença tem de ser grave, provocar ansiedade, disfunção e incapacidade", explica William Carpenter, especialista do Maryland Psychiatric Research Center e um dos autores do novo manual.
Medicação parcial Sem bases patológicas concretas para a maioria das perturbações, a explosão na venda de antidepressivos ou antipsicóticos pode ser questionada. "A medicação e as terapias psicossociais são eficazes, mas são sempre tratamentos parciais. Chegam muitos medicamentos ao mercado sem qualquer tipo de inovação ou avanço terapêutico", defende Carpenter. Craig Michael acredita que a descoberta de bases genéticas individuais para determinar patologias vai permitir reduzir o tempo de formulação da terapêutica mais correcta e efeitos secundários desnecessários.
Neste campo, Allen Frances defende a classe: "Os especialistas têm uma tendência quase universal para alargar as suas perturbações preferidas: não, como tem sido dito, para ajudar as farmacêuticas, criar novos clientes ou ter mais fundos para investigação, mas muitas vezes pelo desejo genuíno de não perder doentes que possam precisar de acompanhamento."
Na edição de Janeiro da "Wired", Frances admite que é "virtualmente impossível" definir com clareza as fronteiras de um distúrbio psiquiátrico. Já no ano passado tinha dito ao "Los Angeles Times" que pequenos acertos nas classificações podem ter um impacto dramático. "[Na última revisão] tentámos ser conservadores, mas criámos três falsas epidemias: a desordem do défice de atenção, o espectro autista e a doença bipolar infantil." Conhecida a nova proposta de revisão do manual, que neste momento está a ser testada por psiquiatras, depois de ter passado a fase de discussão pública, Frances questiona novos "erros", como a definição da desordem alimentar compulsiva com base em situações que podem confundir-se com episódios de gula - comer de forma compulsiva pelo menos três vezes por semana. Condena também a definição de uma "desordem cognitiva ligeira", por poder estigmatizar a natural perda de memória com a idade.
Apesar dos avanços científicos, muitos diagnósticos continuam a assentar em listas de sintomas demasiado estáticas. "Não há uma patologia clara no cérebro que os defina, como acontece num AVC ou numa esclerose múltipla", resumiu ao i Alex Tulloch, do departamento de psiquiatria do King''s College London, onde em 2010 foi criado um pioneiro centro de ciências forenses e neurodesenvolvimento. Craig Michael, investigador sénior neste departamento, não tem dúvidas que os avanços da genética e da imagiologia cerebral em breve começarão a dar frutos. "A psiquiatria é talvez a única fronteira da medicina moderna que falta compreender. Provavelmente, este é o período mais entusiasmante para os investigadores nesta área, à medida que vamos descobrindo as bases biológicas para muitas perturbações mentais." Mas na clínica as dificuldades mantêm-se. "Em muitos casos ainda dependemos das consequências para separar os doentes dos não doentes. Por exemplo: a depressão é uma experiência humana comum. Para ser considerada uma doença tem de ser grave, provocar ansiedade, disfunção e incapacidade", explica William Carpenter, especialista do Maryland Psychiatric Research Center e um dos autores do novo manual.
Medicação parcial Sem bases patológicas concretas para a maioria das perturbações, a explosão na venda de antidepressivos ou antipsicóticos pode ser questionada. "A medicação e as terapias psicossociais são eficazes, mas são sempre tratamentos parciais. Chegam muitos medicamentos ao mercado sem qualquer tipo de inovação ou avanço terapêutico", defende Carpenter. Craig Michael acredita que a descoberta de bases genéticas individuais para determinar patologias vai permitir reduzir o tempo de formulação da terapêutica mais correcta e efeitos secundários desnecessários.
Neste campo, Allen Frances defende a classe: "Os especialistas têm uma tendência quase universal para alargar as suas perturbações preferidas: não, como tem sido dito, para ajudar as farmacêuticas, criar novos clientes ou ter mais fundos para investigação, mas muitas vezes pelo desejo genuíno de não perder doentes que possam precisar de acompanhamento."
In: I online
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