terça-feira, 11 de março de 2014

“Complementaridade entre todos os recursos pedagógicos é a chave do sucesso educativo”

O Observatório dos Recursos Educativos (ORE) fez um balanço de recentes investigações sobre a utilização criteriosa dos recursos digitais em contextos educativos. A complementaridade entre os recursos digitais e os recursos educativos tradicionais - como o uso do lápis, da esferográfica, ou de manuais e livros impressos - não deve ser esquecida num mundo cada vez mais tecnológico. 

Os recursos digitais exercem um grande fascínio nos alunos e a sua utilização deve ser estimulada na sala de aula. Mas Adalberto Dias de Carvalho, professor catedrático e investigador do ORE, avisa que os professores têm de estar preparados para que as potencialidades educativas não sejam desperdiçadas ou para que não haja exageros na hora de ligar o botão. Deve haver regras nas salas de aula. Como, por exemplo, não desviar a utilização do computador para outros assuntos que não façam parte da lição. O investigador afirma, por outro lado, que é importante “combater a sensação de autossuficiência que os alunos poderão sentir, levando-os a secundarizar a observação das realidades que os rodeiam e em que vivem”. “O 'excesso' de informação pode também ter efeitos contraproducentes”, comenta. O tema continua a ser investigado pelo ORE. 

EDUCARE.PT: É consensual para quem estuda a utilização de recursos digitais em contextos educativos que os computadores portáteis, os tablets e outros equipamentos homólogos não podem ser ignorados e têm benefícios. O rápido acesso à informação será a grande vantagem destes equipamentos? 

Adalberto Dias de Carvalho (ADC): Com certeza que a rapidez, a par da vasta informação a que se tem acesso de uma forma extremamente eficaz através dos computadores e de outros recursos similares, é atraente. Acontece, porém, que o “excesso” de informação pode também ter efeitos contraproducentes: assim, não só é preciso saber procurar essa informação como igualmente validá-la e tratá-la. Ora, tal exige um acompanhamento pedagógico muito próximo e sistemático por parte dos professores e dos educadores em geral. Na escola, em casa e atualmente em todos os lugares e ocasiões. 

E: Poderá haver uma relação direta entre o aumento da motivação dos alunos e o recurso às novas tecnologias na sala de aula? 

ADC: É flagrante que os recursos digitais, não só pela razões que referi anteriormente como de igual modo pelo fascínio que exercem as imagens que veiculam, pela constante inovação tecnológica e pela sensação de autonomia que suscitam, detêm um enorme poder de atração que deve ser positivamente explorado. 

O risco é o de, se se perder o controlo, poderem acarretar uma fixação quase obsessiva que tenda a levar, nomeadamente as crianças e os jovens, a afastarem-se da restante vida do quotidiano e da própria socialização em contexto real. Em sala de aula, importa ainda ter presente que, enquanto utensílios didáticos que são, não podem subalternizar as potencialidades formativas da relação interpessoal direta. 

E: Um estudo realizado no Canadá revela que em apenas 10 anos a taxa de abandono escolar passou de 42% para 22%. Os autores da pesquisa suspeitam que a distribuição, por parte da tutela, de computadores portáteis pelos alunos possa estar na origem dessa diminuição. Como analisa estes dados? 

ADC: Trata-se, em qualquer das circunstâncias, de taxas de abandono escolar elevadíssimas! Acredito que a distribuição de computadores portáteis tenha sido um dos fatores para o decréscimo dessas taxas no Canadá, mas certamente que não foi o único. Seria ainda interessante sabermos se esse decréscimo foi sempre progressivo, se estabilizou ou se, passado o efeito da novidade, não se registaram retrocessos. Teríamos ainda de apurar que tipo e nível de aprendizagens ou de competências se verificaram... Seria igualmente interessante compararmos com o que se terá passado no nosso país com a distribuição massiva dos “Magalhães”. 

E: Há indicações de que o rendimento em termos cognitivos do contacto com esses recursos tecnológicos parece ser menor quando comparado com dispositivos mais tradicionais, como a simples impressão em papel. Fala-se nos computadores, mas sublinha-se que o lápis, a esferográfica e o papel não podem desaparecer das salas de aula. Há riscos de isso acontecer? 

ADC: Claro que entramos aqui de uma maneira ou de outra no domínio da futurologia. Acontece que o debate sobre o futuro do papel e do lápis tem já algumas décadas em que ciclicamente irrompem e esmorecem os vaticínios ou profecias acerca do seu desaparecimento. Tudo desaparecerá um dia, incluindo certamente os computadores... Temos, isso sim, de ser aqui cautelosos nos juízos e nas tentações fúteis de vanguardismo. 
O que sabemos com segurança é que, a par das evidentes e imprescindíveis vantagens do universo das tecnologias do virtual, há aprendizagens que não podem ignorar as características únicas dos livros e demais materiais em papel, para além do carácter sensorial específico do seu próprio manuseamento. De facto, conforme consta de relatórios científicos internacionais compilados no estudo do ORE, por exemplo a apreensão de conteúdos de textos longos ocorre com um índice mais elevado de sucesso a partir do uso de textos impressos em papel, sendo que tal não tem a ver nem com níveis etários, nem com hábitos de leitura anteriores. 

E: Os estudos recentes revelam que ler em papel é, em termos de desempenho cognitivo, mais rentável do que a leitura em formato digital. Os professores portugueses têm essa perceção? 

ADC: Na verdade, os computadores, designadamente na sala de aula, podem provocar distrações grandes nos seus utilizadores diretos - sendo isso mais flagrante nas crianças - como nos colegas que se encontram ao seu lado. Ler uma história por um livro em papel tem frequentemente um efeito mais repousante, sobretudo se for na hora de adormecimento de uma criança, do que o que acontece, em sentido inverso, por efeito da luminosidade dos tablets. 

É evidente ainda que o acesso sempre iminente a outros elementos que o computador proporciona implica o uso de uma disciplina e de uma determinação em que as crianças têm naturalmente mais fragilidades. 

A utilização de recursos digitais na sala de aula, que deve ser estimulada, tem contudo de ser criteriosamente explorada, como tudo o que são recursos pedagógicos. Mas, para isso, antes de mais, os professores têm de estar preparados para o efeito sob pena de haver ou desperdícios de potencialidades educativas ou um uso desordenado das mesmas por excesso, por defeito ou ainda por pura e simples inadequação às diversas situações concretas de aprendizagem. A complementaridade entre todos os recursos pedagógicos disponíveis é, com certeza, a chave do sucesso educativo. 

E: Os professores devem estabelecer regras nas salas de aula para a utilização desses recursos? Qual o caminho a seguir para uma utilização didaticamente cuidada? 

ADC: Em sala de aula - o que terá também reflexos em toda a vida das crianças e dos jovens - é imprescindível a existência de regras de que os alunos devem ter conhecimento. Um exemplo simples: os alunos, de uma forma geral, não poderão desviar a utilização do computador para assuntos diversos dos que estão a ser abordados, o que é para eles sempre uma tentação precisamente pela enorme facilidade e rapidez de acesso. 
Há, com certeza, desde logo, novas formas de trabalho autónomo dos alunos pelo acesso direto a informações, documentários, debates, etc., antes inacessíveis. Há igualmente a possibilidade de explorar nomeadamente as possibilidades de contacto com crianças e jovens de todo o mundo via Skype. Mas importa combater a sensação de autossuficiência que os alunos poderão assim sentir, levando-os a secundarizar a observação das realidades que os rodeiam e em que vivem mas que, de um modo ou de outro, acabarão por os surpreender, inclusive pelo seu realismo. 

E: Na Coreia do Sul fala-se já numa “demência digital” em adolescentes que afeta a memória e a capacidade de concentração. Será este um caminho sem retorno? 

ADC: É verdade que na Coreia do Sul, potência das tecnologias virtuais, ao mesmo tempo que o governo aposta na implantação plena dessas tecnologias nas escolas, vários estudos de cientistas do mesmo país alertam para os riscos de uma utilização obsessiva, incluindo o das perturbações demenciais. Daí a necessidade de se reforçar o papel educativo e preventivo das escolas nestes domínios, habituando as crianças, desde cedo, a uma utilização diversificada e adequada das potencialidades quer dos computadores quer dos livros e outros materiais em papel.

In: Educare

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