Há palavras que exprimem, em certos momentos, o “espírito do tempo”. A palavra “inclusão” é uma delas. Praticamente desconhecida há uma década atrás, “inclusão” assumiu uma presença cada vez mais frequente nos discursos educacionais, sociológicos e políticos.
A palavra tornou-se de tal maneira comum que extravasou o seu significado social de forma que hoje é possível encontrar restaurantes com “menus inclusivos” (aqueles em que está tudo incluído…) e até “bagagem inclusiva” (talvez aquela que pode levar todos os pertences do seu proprietário). A palavra "inclusão" tornou-se quase imprescindível no discurso político, usada da direita à esquerda ainda que, certamente, com significados muito diferentes. Por causa disso a palavra sofreu uma enorme erosão e desgaste fruto do seu uso tão frequente e também pelas muitas ambiguidades que nela se acolitavam.
Quando a palavra surgiu nos campos da Educação, da Sociologia e da Política, apareceu para designar algo novo, uma evolução, uma alternativa à palavra “integração”. Entendia-se, para justificar esta mudança, que “integração” tinha um significado muito conotado com uma estrutura social que se mantém incólume e impávida enquanto algo ou alguém se pretende “integrar” nela. Em países francófonos utilizou-se por exemplo a expressão “adaptação escolar” com a mensagem implícita que quem tinha de se adaptar à escola era o aluno e assim absolvendo a escola de fazer qualquer movimento que facilitasse a sua integração. A palavra “inclusão” apareceu para assinalar outra visão, surgiu com a ideia que não é só o indivíduo tem de procurar e se integrar na sociedade/ comunidade/escola mas que estas estruturas têm pelo seu lado de se modificar, de se aproximar do individuo. Não é pois correcto colocar todo o ónus da inclusão na actuação do indivíduo, dado que a inclusão é um processo interactivo, e assim sendo, tem que ser avaliado em duas dimensões: o que é o indivíduo pode fazer para se incluir e o que é que o “lugar da inclusão” faz para o incluir.
Sendo oriunda sobretudo de países anglo-saxónicos, a palavra “inclusão” encontrou inicialmente algumas resistências em países latinos. Não faltaram vozes que diziam que inclusão era “fechar uma coisa dentro de outra coisa” e que, por isso, era um termo desadequado. Estas leituras foram sendo abandonadas e outros significados e conotações de inclusão começaram a ser usados tais como “envolvimento”, “abrangência”, “compreensão”.
Mas o que significa estar incluído? O que não significa, certamente, é estar “encerrado” ou “contido”, em suma “obrigado” a pertencer a uma estrutura que não se pediu filiação nem se deseja integrar. Estar incluído numa estrutura indesejada seria até o contrário de inclusão: seria uma violência. Na verdade, todos nós gostaríamos face a um grupo com o qual profundamente discordamos de afirmar “Incluam-me por favor fora do vosso grupo”. Mas a inclusão não se pode conceber só como “estar fora”. A inclusão deve ser a possibilidade, a virtualidade ou a realidade de “pertencer”.
Gostaria de realçar dois aspectos afirmativos que pertencem a esta arquitectura de “pertença” do conceito de inclusão: o primeiro é que estar incluído é antagónico a estar excluído. Quer dizer que a inclusão se constitui antes de mais como uma trincheira de combate à iníqua e epidémica exclusão que existe nas nossas sociedades. Exclusão devida à desigualdade social, às condições de deficiência, exclusão justificada pela inteligência, pelo dinheiro, pelo nascimento e até pelo género. Inclusão é pois, e antes de mais, o oposto, o antídoto e a convocatória para lutar contra a exclusão. Em segundo lugar, “estar incluído” é ser bem-vindo aos serviços, instituições, grupos e estruturas que podem interessar ao desenvolvimento, à participação, à cidadania e à actividade humana de cada pessoa. E aqui existe um enorme campo de progressão que as estruturas sociais têm de fazer para que cumpram a parte que lhes compete na inclusão. Precisamos que as pessoas não sejam barradas por preconceitos, por barreiras, por atitudes afectadas, pela defesa patética dos valores da instituição à custa dos valores das pessoas. Precisamos que a inclusão esteja na linha da frente da missão que as estruturas da nossa sociedade têm que concretizar.
Inscrever a inclusão nas prioridades da missão das instituições não é mais do que regressar à verdadeira causa pelas quais elas foram criadas. Vejamos exemplos: quando se criaram as escolas não foi dito, por exemplo, que elas deveriam ser só para alunos sem deficiência; quando se criaram os hospitais não se disse que eles eram só para quem tivesse dinheiro; quando se criaram os transportes públicos até lhes foi dado o nome de “omnibus” (“para todos”). Portanto, pensar em inclusão é “limpar” todas as pequenas alíneas, atitudes, normas e condicionamentos que impediram perversamente que as instituições sociais cumpram aquilo para que foram criadas.
Por: David Rodrigues
Professor universitário, presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial
In: Público
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