Em recente sessão numa escola, a escritora Alice Vieira colocou bem a questão: não são os filhos que lêem pouco, são os pais que não lêem nada (cito de cor). Tem toda a razão: foi a geração que tem agora os filhos a estudar que quase deixou de ler. As razões são várias: vida quotidiana centrada no trabalho e não na casa e na família, livros de preço elevado, campanhas publicitárias de promoção da “leitura fácil” e do livro “que se lê bem”, crescente influência da televisão e agora da Internet, falta de apoio às livrarias que vemos fechar todas as semanas, ausência de leitura partilhada por várias gerações em casa e na escola, entre outras causas.
O Plano Nacional de Leitura e a escolha de livros com a menção Ler+ (por vezes em selecção discutível), bem como o apoio às bibliotecas escolares, pretenderam combater a situação. Foi feito um esforço meritório e alguns resultados foram obtidos: podemos afirmar com segurança que muitas crianças e jovens começaram a ler a partir de uma sessão na escola ou de um encontro com o escritor numa Feira do Livro. O resultado global, no entanto, é desolador: numa turma de adolescentes (7.º
12.º anos) são muito poucos os que têm o hábito de ler um livro com regularidade ou que chegam a ler um livro… por ano! O desconhecimento de autores clássicos da literatura portuguesa é quase total e, mesmo no caso das leituras obrigatórias, são apenas consultados resumos da obra.
Compreendo Alice Vieira: os que nos saúdam na escola enchem-nos de esperança. No entanto, qual o resultado real, em termos da promoção da leitura, junto das turmas presentes? Atrevo-me a dizer que é modesto. Os alunos que aparecem nas sessões estão lá com satisfação (os que já gostam de ler), são mandados comparecer ou preferem ouvir falar alguém que os retire da “seca” das aulas.
A grande questão é o que significa “ler” nos dias de hoje. O paradigma mudou entre a gente nova. Cada vez vêem menos televisão e passam muitas horas no computador, por vezes estão dependentes de vários ecrãs ao mesmo tempo. “Ler”, para os mais novos, já não significa estar sentado num sofá com um livro “em suporte de papel” (horrível expressão) nas mãos. “Ler”, hoje em dia, é receber informação a toda a hora, ver as notícias ao minuto, pesquisar num sítio da Internet, verificar os novos comentários nas redes sociais. Qual o adolescente de hoje que visita uma livraria clássica para escolher um livro? Qual o jovem de hoje que discute temas literários, como se fazia nos anos 60?
Se o paradigma mudou, a promoção da leitura, crucial para o desenvolvimento do cérebro e essencial para a qualificação dos portugueses, tem de mudar também. As edições deveriam ser mais direccionadas para a leitura digital, sobretudo para os tablets — o “suporte” do futuro — e poderiam conter entrevistas com o autor e imagens relacionadas com o texto. As acções nas escolas deveriam proporcionar leitura em computador de trechos de obras de qualidade, enquanto as redes sociais seriam utilizadas em comentários partilhados de leituras acessíveis em formato digital. As livrarias e bibliotecas precisariam de outra organização, onde não faltaria a leitura conjunta em computador e o apoio ao preço fixo do livro.
A continuar sem mudar nada, os filhos de hoje, quando chegarem a adultos, ainda lerão menos do que os seus pais.
Por: Daniel Sampaio
In: Público
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