quarta-feira, 19 de março de 2014

Milhares protestam no Porto contra cortes no ensino especial

Protesto contra cortes no ensino especial e exclusão das crianças em idade escolar de apoio especializado e adequado reuniu milhares de manifestantes frente à Segurança Social no Porto. O Bloco de Esquerda quer a reposição dos subsídios e vai levar a questão a debate esta sexta-feira no Parlamento.

Na manhã de 18 março muitas manifestantes convergiram de todo o país para o edifício sede do Centro de Segurança social do distrito do Porto e Instituto da Segurança Social, em António Patrício. Vieram protestar contra os cortes à educação especial que deixaram milhares de crianças sem apoio, indignaram famílias e puseram em causa o trabalho das e dos profissionais do setor.

O apelo foi lançado no início do mês pela ANEAE - Associação Nacional de Empresas de Apoio Especializado e difundido em redes sociais: “Trata-se de uma ação de rua, de uma grande manifestação onde pretendemos juntar milhares de pais, cuidadores, familiares, amigos numa ação de protesto inequívoca contra este corte brutal e cobarde no subsídio de educação especial”. A Associação de Pais e Amigos de Crianças e Jovens com Necessidades de Apoio Especializado, APACJNAE, foi também organizadora do protesto.

Conforme o Esquerda.net deu conta em 6 de março passado, “afetadas por esta política foram também as crianças e jovens com deficiência: cerca de 38% dos beneficiários do apoio à educação especial - 1702 crianças e jovens - perderam esse apoio”. Acontece que, desde outubro, e mediante o protocolo assinado em outubro entre o Instituto de Segurança Social e a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, centenas de crianças, por estarem em idade escolar, viram recusado o ensino especial e foram enviadas para o ensino regular, segundo comunicado à imprensa dos organizadores. Não são já os médicos mas sim o diretor regional de educação quem avalia e determina a necessidade desse apoio, passando portanto os processos de avaliação da Segurança Social para a administração escolar. Note-se que a isto há a acrescentar que vários professores do ensino regular têm alunos com necessidades especiais sem receberem, antes ou depois dessa atribuição de serviço, qualquer formação específica, devendo-se exclusivamente ao seu esforço e à sua dedicação a aquisição de competências que colmatem aspetos mais básicos do cuidado. Agora fica ainda prejudicada, afirmam os organizadores, a continuidade dos tratamentos e do acompanhamento de milhares destas crianças desenvolvido no anterior quadro processual.

As associações contestam precisamente a competência do diretor regional de educação para fazer a avaliação/notificação, invocando que se está perante usurpação de funções e que não há “qualquer avaliação formal e científica devida e legalmente certificada", contrariando a lei do subsídio de educação especial. Um pai presente no protesto explicou ainda que, neste momento, as famílias têm de ter capacidade financeira para pagar aos estabelecimentos particulares de educação especial até que a Segurança Social os venha a reembolsar num momento futuro, que ignoram qual é. “É preciso muito dinheiro, poucas famílias têm essa possibilidade”.

“Que governo é este que ajuda a banca e corta os apoios às crianças com deficiência?” 

Sob o lema Agradecer "CARA A CARA", a concentração reuniu alguns milhares de pessoas vindas de vários outros distritos, nomeadamente de Vila Real, Faro, Setúbal, Bragança, Aveiro, envergando roupa e balões pretos e muitos cartazes de protesto. O presidente da ANEAE terá afirmado à imprensa, com base no cálculo de quem usou o transporte coletivo organizado para chegar ao Porto e de outras pessoas que se lhes juntaram no local, que 3000 pessoas terão respondido a este apelo.

Um veículo funerário transportando um caixão com a frase “Aqui jaz o subsídio de educação especial... Obrigado Sr. 1º Ministro Passos Coelho!!! Obrigado Sr. Ministro Mota Soares!!! Obrigado Dra. Mariana Ribeiro - Segurança Social” dirigiu-se à entrada da edifício onde foi aberto e decorado com uma palma coberta por pequenas mãos em várias cores, simbolizando as crianças que perderam acesso ao ensino especial.

Um grupo de mulheres profissionais do Psicoave, Centro Psicopedagógico e Psicoterapêutico de Guimarães, segurava uma das várias faixas de protesto onde se lia “Que governo é este que ajuda a banca e corta os apoios às crianças com deficiência?” Uma delas declarou que as suas crianças deixaram de poder aceder aos apoios como novo o protocolo. Fez questão de frisar que não se trata apenas de cortar educação especial, mas ainda de deixar de preparar estas meninas e meninos para todo um conjunto «de questões educativas, escolares e familiares», ou seja de os preparar em geral para a relação com os demais na sociedade. 

Uma psicóloga da ANEAE, referiu que esta entidade emprega trinta técnicas e cerca de uma dezena de administrativos que prestam apoio a quatrocentas crianças. Sandra Dias da Psicocrescer, na Lixa, respondeu assim à pergunta, o que diria a Passos Coelho “cara a cara”: “ Diria que é preciso pensar no futuro destas crianças! Que cidadãos serão eles? É preciso promover a funcionalidade, preparar para a vida ativa”. Mostrou-se também preocupada com o atual quadro legal e processual, em que o estado não previu “nem meios financeiros nem recursos” para dar resposta à situação criada pós outubro passado. E a nível nacional, acrescentou, há “cerca de 5000 crianças abrangidas pela sua Associação, que agora estão a ser desprovidas de apoio, dado o estado não estar a comparticipar as suas atividades. Isaura Dias, da mesma entidade, acrescentou que se não fosse a solidariedade entre famílias, a situação seria muito pior mesmo antes dos recentes cortes: “A Segurança Social recusou apoio a uma criança mesmo muito precisada, aliás acabou por falecer recentemente, e eu é que paguei a despesas desse menino durante um ano, a família não podia...” . Com um filho a receber apoio idêntico, tem mostrado a sua solidariedade com outras crianças de que vai tendo conhecimento, “e como eu muitos outros, o que vale é que há muita gente a ajudar” entre as famílias atingidas pelo problema, o que Sandra Dias confirmou. Entretanto ouviam-se os gritos de protesto das muitas mulheres e homens presentes: “Gatunos”, “O povo unido jamais será vencido”, “Subsídios sim, protocolo não”.

Bloco vai levar a reposição dos subsídios ao Parlamento

O Bloco de Esquerda apresentou um projeto de resolução que será discutido e votado esta sexta-feira na Assembleia da República, com o objetivo de repor os subsídios para as crianças com necessidades educativas especiais. O Bloco quer ver suspenso o acordo enter o Instituto da Segurança Social e a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, que considera ser responsável pelo "crescente número de queixas de indeferimento dos requerimentos de um grande número de pais que viram a atribuição do subsídio de educação especial recusado."

Para o Bloco, «todo o processo está, neste momento, a ser gerido à margem de qualquer avaliação com real competência legal». Para mais, os cortes do Governo afetaram gravemente o funcionamento dos Centros de Recursos para a Inclusão, que apoiam as crianças e jovens com deficiências. Por exemplo, nos concelhos da Lousã, Miranda do Corvo, Góis e Pampilhosa da Serra, o corte foi de 50% e dos catorze técnicos só sobraram quatro para acompanhar 184 crianças.

«Desta forma, instala-se uma situação de calamidade social, onde muitas crianças e jovens permanecem sem qualquer acompanhamento desde o início do ano letivo, sendo-lhes negado o seu futuro, registando-se já dramáticas situações de suicídio», denuncia o Bloco, que exige ainda a reavaliação de todos os pedidos recusados desde o ano passado e a consulta pública dos relatórios e propostas do grupo de trabalho nomeado pelo governo para analisar o impacto das medidas tomadas nesta área.


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