Sexta-feira, às nove da noite, estava em casa a ver um programa de reportagem na RTP com o nome que dá título a esta crónica. A essa hora fiquei com a certeza de que a sociedade faliu por decisão política. Há crianças pobres com necessidades especiais e com deficiências a quem o Estado está a recusar subsídios, que até aqui fornecia.
Para que não pareça apenas mais uma crónica contra a austeridade, devo recordar que eu sou dos que entendem que Portugal viveu acima das suas possibilidades, dos que entendem que o Estado tem de deixar de ter défices para poder pagar o que deve, dos que entendem que os cidadãos não podem exigir do Estado o que Estado não for capaz de pagar.
Mas não é do pagamento em auto-estradas que um dia foram grátis que estamos a falar. Nem sequer de cortes nas pensões e nos salários ou da brutal carga de impostos que queima em lume brando a classe média. É pior, muito pior. É a desistência de seres humanos que, pela sua fragilidade, mais precisam da nossa ajuda.
Eu pago impostos e pago-os com gosto por ver neles a vantagem de estar a contribuir para uma melhor redistribuição da riqueza, mas, acima de tudo, porque sei que há determinadas coisas que só o Estado pode resolver e que para isso precisa de dinheiro.
Na reportagem da RTP havia, por exemplo, uma criança de seis anos que estava a dar os primeiros passos no mundo das palavras (apenas dizia carro). A família, com um rendimento de 900 euros, viu recusado um subsídio de 300 para pagar uma das terapias de que a criança precisa. E a outra família com um rendimento de 620 também foi retirado o subsídio. Não estamos, portanto, a falar de o Estado recusar ajuda a uma família que tem rendimentos que dispensam esse apoio.
Sexta, às nove, fiquei a pensar em jornalismo e a desejar que aquela reportagem seja suficiente para os governantes corrigirem o tiro. Não consigo perceber como alguém consegue dormir tendo responsabilidade nesta matéria, nem entendo como pode algum político aceitar como opção cortar nos subsídios a crianças que, tendo nascido com necessidades especiais ou deficiência, vivem em famílias com carências financeiras.
Sim, eu sei, sabemos todos, que o dinheiro não chega para tudo.
Num país que tem mais de 300 mil desempregados sem qualquer rendimento ou subsídio do Estado, é evidente que, pelo menos temporariamente, deixar pessoas para trás e sem qualquer apoio é uma opção política que alguns consideram válida. Incluir neste pelotão de deserdados crianças que tiveram a dupla infelicidade de nascer com deficiência e em famílias carenciadas não é apenas uma questão política, é uma questão civilizacional.
E ainda querem falar de natalidade? Haja vergonha!
Por: Paulo Baldaia
In: DN
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