domingo, 25 de abril de 2010

Há mais filhos manipulados para odiar um dos pais

20% das crianças em regulação de poder paternal são vítimas de síndrome de alienação.

"O meu filho não perdeu só a mãe. Perdeu os avós maternos, os tios, os primos e uma irmã." Tal como no documentário brasileiro A Morte Inventada, também Cristina Louro, 40 anos, sente que para o seu filho de 13 anos, ela já não existe. Não está com ele desde Setembro de 2008, a não ser por escassos minutos quando vai a tribunal ou visitá-lo ao colégio. "O meu filho sente que está a trair o pai ao falar comigo. Ele nunca disse que o pai o proíbe de me ver, mas isso nota-se no comportamento dele", explica Cristina, que vive em Lisboa com a filha.

O filho de Cristina é vítima de alienação parental ( manipulação de um dos pais para odiar o outro). e tal como muitas outras crianças e adolescentes filhos de pais separados, rejeita ver o progenitor que não vive com ele.

Apesar de não haver números oficiais os especialistas avisam que o Síndrome da Alienação Parental (SAP) está a crescer em Portugal. De tal forma, que hoje, em Setúbal se organiza um debate para marcar o Dia Internacional para a Consciencialização deste Síndrome.

O juiz desembargador Madeira Pinto estima que este fenómeno afecte 15 a 20% das crianças envolvidas em processo de regulação do poder paternal.

Também a psicóloga Teresa Paula Marques chama a atenção para a possibilidade de que "com o aumento exponencial de divórcios, o SAP também aumente". Acrescentando que "actualmente estima-se que uma criança em cada quatro vai ter de enfrentar o divórcio dos pais", pelo que este síndrome pode vir a afectar muito mais crianças portuguesas.

Cristina , 40 anos, separou-se em 2007 e a relação com o ex-marido, pai dos seus dois filhos, sempre foi conflituosa. Depois de passar uma fase em que os filhos não queriam estar com o ex-marido, a administrativa deparou-se com o pedido do filho para deixar Lisboa e regressar à Guarda para viver com o pai. Cristina acabou por aceder, mas o ex-marido nunca cumpriu o regime de visitas estipulado pelo tribunal.

O processo está a decorrer no Tribunal da Guarda e Cristina não esquece as palavras do juiz quando entregou o filho ao cuidado do ex-marido. "O juiz escreveu que uma criança de 11 anos [idade do filho quando foi viver com o pai] já não precisava dos cuidados da mãe. Fiquei muito magoada com estas palavras. Como se pode dizer isso de uma criança de 11 anos?", questiona.

O caso de Cristina é raro. Normalmente, os homens são os principais afectados pelo SAP, uma vez que são as mães que ficam com a guarda parental. Segundo dados de 2006 (últimos dados conhecidos) dos 15 574 menores com guarda decidida em tribunal, 12 214 foram decisões favoráveis à mãe. "A minha ex-mulher começou logo a exigir que eu não podia ver os meus filhos ao fim de semana e só podia ter nove dias de férias com eles por ano. Durante a semana ia buscá-los às 19.00 e tinha de entregá-los às 20.00". O conflito de Rogério (nome fictício) começou há nove anos e hoje os seus filhos já têm 15 e 12 anos. No meio dos vários incumprimentos das visitas, já não vê os filhos há um ano, até porque estes começaram a recusar-se a estar com ele. "Os meus filhos estão formados e eu não tive nenhum contributo", lamenta o engenheiro de 47 anos.

A manipulação dos filhos para que estes odeiem os pais sempre existiu, mas o fenómeno foi identificado nos anos 80, pelo psiquiatra americano Richard Gardner, que o classificou de síndrome de alienação parental. Só recentemente os juízes portugueses começaram a aceitar este síndroma quando se disputa os menores em tribunal. Mas com muitas cautelas, pois, segundo os magistrados "são casos em que é difícil saber onde está a verdade".

Juízes admitem dificuldades em decidir estes casos

A alienação parental consiste num corte de relações entre as crianças e um dos progenitores, promovido pelo progenitor que vive com elas. Assim, os juízes confessam que a maior dificuldade é saber onde está a verdade. Até porque estes casos envolvem trocas de acusações entre as partes às vezes até suspeitas de abusos sexuais. "O grande drama é perceber quem diz a verdade. A mãe diz que a criança não quer ir, o pai diz que a mãe não deixa a criança ir", refere o juiz do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, Celso Manata.

Mas o facto do síndrome de alienação parental não estar ainda incluído no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais da Organização Mundial de Saúde (OMS) também faz com que alguns juízes não o reconheçam como entidade clínica, diz a psicóloga Teresa Paula Marques.

O juiz Celso Manata aponta ainda o dedo às perícias:"As perícias são demoradas e depois a mãe vai fazer a avaliação psicológica a um lado, o pai a outro e a criança a outro e é o tribunal que tem de fazer a ligação entre eles. Ora, os juízes não têm formação para isso".

A demora neste tipo de processos e a dificuldade em descobrir quem fala verdade leva o juiz Celso Manata a apelar às mães para que estas isolem os seus dramas com o ex-companheiro das crianças. Isto porque, os mecanismos de segurança que o tribunal tem de aplicar podem apenas servir para penalizar as crianças e os pais com um afastamento desnecessário, acrescenta o juiz.

E foi após uma longa luta nos tribunais que José Joaquim de Oliveira conseguiu recuperar o contacto com o filho. "Há duas semanas saiu a sentença e agora passo os fins de semana com o meu filho de 15 em 15 dias e estou com ele um dia por semana", revela ao DN. Ao fim de cinco anos vê finalmente a sua situação regularizada.

Por um período de oito meses, o mecânico, dono de uma oficina, esteve sem ver o filho e os entraves colocados pela mãe têm sido constantes. "O meu filho está atrasado para a idade. Só começou a andar aos 22 meses e a falar aos três anos e tudo por falta de estímulos e porque a mãe, apesar de portuguesa, só fala com ele em inglês", lamenta.


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