"Na minha opinião, a nível disciplinar, o presente Estatuto do Aluno padece de uma enfermidade que devasta as escolas: a burocracia. Padece ainda de falta de autonomia dos professores e da escola.
Muito de se tem falado de indisciplina e de como o Estatuto do Aluno não tem ajudado a resolver o problema e o deve começar a fazer. O Ministério da Educação já avançou com as ideias (a meu ver, importantes) de diminuir a burocracia e de, pela primeira vez, os assistentes operacionais poderem ter poder disciplinar. As propostas de reformulação mais conhecidas, vindas de parte da Oposição ou de opinion makers, centram-se no agravamento das penalizações para os alunos e no aumento da responsabilização das famílias, incluindo perda de abonos. Desta forma, coloca-se a resolução do problema na escola e na família estritamente, e mesmo assim com medidas discutíveis. É oportuno lembrar um velho provérbio africano que diz que "Para educar uma criança é preciso toda uma aldeia". Na minha opinião, a nível disciplinar, o presente Estatuto do Aluno padece de uma enfermidade que devasta as escolas: a burocracia. Padece ainda de falta de autonomia dos professores e da escola.
Os papéis a preencher, os contactos a estabelecer, os prazos a respeitar: tudo concorre para que passe um tempo exagerado entre o acontecimento que motiva um procedimento disciplinar e a aplicação de uma sanção que dele possa decorrer, com tudo o que de negativo daí advém. A burocracia e a falta de autonomia, associadas a resultados demorados e, muitas vezes, aquém do necessário, convidam à inacção e, assim, muitas vezes, não se vai muito mais longe do que admoestar ou dar ordem de saída da sala de aula.
Da exposição feita, decorre a necessidade de o Estatuto do Aluno dar mais autonomia às escolas e aos professores e prever procedimentos menos burocráticos e mais céleres. Contudo, isto não basta para resolver o problema da indisciplina e do absentismo. Também o corte de abonos ou a teoria do "mate-se e esfole-se" cada aluno prevaricador não serão mais eficazes.
Recentemente, num debate televisivo sobre o assunto, a proposta mais lúcida que ouvi veio de um aluno: "Coloquem mais assistentes operacionais nos recreios, aumentem o número de psicólogos nas escolas, diminuam o número de alunos por turmas". Com efeito, temos escolas superlotadas, com recreios superlotados; temos muitas (outras) com falta de assistentes operacionais, ficando os recreios desguarnecidos de quem os vigie. (Era o que faltava atribuir essa responsabilidade aos professores, como já sucede injustamente no 1º ciclo!) E porque não colocar, além de mais assistentes operacionais, também animadores de recreios nesses espaços? Quanto aos psicólogos, quando existem, são em escasso número para as muitas funções que lhes cabem e para o número de alunos (ver artigo Diário de uma psicóloga escolar). Já o número de alunos por turma, sendo menor, permite um conhecimento mais aprofundado de cada um pelo professor e uma melhor gestão da dinâmica do grupo (entre outras vantagens pedagógicas).
No que se refere à ida dos pais à escola, tendo a família responsabilidade na educação das crianças/jovens e na colaboração com a escola, parece-me que a esta última compete criar condições para que a família se sinta aí bem acolhida e motivada para estabelecer parcerias (ver artigos Quando devem os pais ir à escola? e Quando os pais não vão à escola...). É preciso ter em conta que a escola, caracterizada por uma cultura de classe média, recebe alunos provenientes de extractos socioeconómicos, culturais e/ou étnicos dominantes na sociedade, como recebe outros vindos de extractos minoritários, para quem pode ser um meio estranho.
Relembro, por fim, que, se para educar uma criança é preciso toda uma aldeia nas propostas que têm vindo a lume têm sido responsabilizadas apenas duas instituições, a escola e a família, e foi delas que falei neste artigo. Contudo, estas são apenas duas das muitas "casas" da aldeia, onde muitas mais podem e devem colaborar para a educação das crianças, como, por exemplo, os centros de saúde, os hospitais com consultas de especialidade, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, outras instituições e serviços da comunidade. No próximo artigo continuarei a abordar este tema, ilustrando a necessidade da articulação de todas as "casas" da aldeia, com exemplos práticos da minha experiência."
Por: Armanda Zenhas
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