No meu deambular pelo Brasil das escolas onde reaprendo o ofício de educador, começo por pedir aos professores que façam uma leitura do Projecto Educativo (no Brasil é designado por Projeto Político-Pedagógico) da sua escola, dele extraindo os princípios que contém. Depois, proponho aos professores que procedam a uma análise crítica do Regulamento Interno (no Brasil tem o nome de Regimento), verificando a sua coerência com o enunciado de princípios. Conclusão: raramente o Projeto e o Regulamento coincidem nas intenções e nos gestos... Finalmente sugiro aos professores que façam esboços de perfis de aluno e de professor, que sejam coerentes com o "espírito" do Projeto, que comparem o conteúdo do Projeto com as suas práticas, e o conteúdo dos perfis com a cultura pessoal e profissional daqueles que vivem o drama escolar... Quando este primeiro ciclo de reflexão se completa, o incómodo é evidente.
Esse incómodo pode dar lugar a uma de duas atitudes por parte do professor: manter-se incoerente, ou refletir e mudar a sua prática. Nas escolas que tenho o privilégio de acompanhar no Brasil, predomina a segunda das atitudes. Lenta e responsavelmente, os educadores encetam processos de mudança, recriam dispositivos pedagógicos, substituem obsoletas práticas por uma nova cultura.
Rumei a Portugal, para brincar com os meus netos e mitigar saudades de familiares, amigos e... da Ponte. Esperava algo diferente, pra melhor. No início de mais um ano letivo, visitei escolas, conversei com professores. O contraste com o Brasil é evidente. As escolas portuguesas mantêm-se cativas de labirintos burocráticos e os professores sobrevivem enredados em obsoletas práticas. O sistema educativo português continua tão decrépito como há cem anos. Entre operações de cosmética e quejandos, a cegueira branca não permite ver que algo vai mal no Reino da Dinamarca...
As exceções (porque nem tudo vai mal no Reino...) não servem de referência para funcionários rotinados. Os escassos projetos, que poderiam constituir-se em referência, são desgastados por subtis manobras administrativas. Apesar dos dinheiros, que a Europa prodigamente injetou num ancilosado sistema educativo, a preparação para o exercício da profissão de professor continua tão pobre como era antes da adesão à Europa dos ricos. E os mega-agrupamentos surgem como corolário de uma autonomia de faz de conta.
Como alguém já disse, um país sucumbe quando o grau de incivilidade dos cidadãos ultrapassa limites toleráveis. A TV é reflexo da crise civilizacional que o meu país atravessa. Alinhados com uma programação imbecil, os debates, supostamente, sobre educação descem ao nível da indigência mental. Lá estão os "especialistas" de sempre, sempre com o mesmo discurso.
Para ouvintes descontentes com a situação, mas pedagogicamente desarmados, esses "especialistas" exibem um linguarejar tão fluente quanto pedagogicamente vazio e a roçar o absurdo. Esses "especialistas" ignorantes do que sejam as ciências da educação creem-se sábios, quando não passam de uns irresponsáveis, cujas intervenções somente contribuem para gerar confusão e sedimentar vícios. À semelhança do professor Marcelo, se essas criaturas tanto apreciam exames e classificações, numa escala de zero a vinte, dar-lhes-ia vinte em Retórica e zero em Pedagogia. E, porque - desgraçadamente para a Educação deste país - continuarão a ter lugar cativo na TV, não auguro significativas mudanças. Temo que a Educação continue doente no Reino da Dinamarca.
Por: José Pacheco
In: Educare
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