Sem surpresa o guião para a reforma do Estado, "Um Estado Melhor", hoje conhecido, retoma no que à educação diz respeito, para além do reforço do ensino dual e da municipalização, a velha ideia da "liberdade de escolha" em diferentes modalidades, do cheque-ensino, aos contratos de associação em novos moldes até às escolas públicas geridas por professores. Esta intenção já estava contida globalmente no novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo que, evidentemente, foi bem recebido pelos representantes da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo.
De forma determinada o Ministro Nuno Crato vai, assim, cumprindo a sua agenda cada vez mais explícita, o financiamento do ensino privado à custa da degradação e desinvestimento do ensino público sob o princípio da liberdade de escolha, ou seja, um forte apoio ao negócio da educação.
Neste sentido, recorde-se que já para o OGE em vigor para este ano, as verbas destinadas a financiar sob diferentes formas o ensino privado foram reforçadas. Para além da inacreditável possibilidade de estabelecer contratos de associação ainda que exista ensino público com oferta educativa disponível na mesma área, estava previsto a dotação de 19,4 milhões para aplicar no cheque-ensino que agora se retoma mantendo a ideia de que será testado em termos experimentais. No entanto e provavelmente, em modo MEC, período experimental quer dizer pré-generalização como se verificou com o ensino vocacional que antes da avaliação entrou em generalização.
A experiência do que têm sido tais práticas de liberalização noutra paragens, veja-se o trabalho sobre esta matéria elaborado por Paulo Guinote, "Educação e Liberdade de Escolha", publicado Fundação Francisco Manuel dos Santos, e o conhecimento dos territórios educativos portugueses sugerem que na verdade percorremos um caminho de privatização da educação transformando-a num serviço que as famílias compram de acordo com as suas possibilidades económicas para os verdadeiros destinatários desse serviço, os seus filhos.
Aliás, parece-me claro que a cultura mais generalizada entende os estabelecimentos de ensino privado como exclusivos e muitos deles são profundamente selectivos na população que acolhem, o que leva, justamente, muitos pais a escolher "comprar", por assim dizer, essa exclusividade, que só por existir já é um negócio, um bom negócio.
O problema grave e inquietante é que a maioria das famílias irá, evidentemente, manter os seus filhos nas escolas públicas que sofrendo forte desinvestimento terão menos recursos, apoios e autonomia e em que os professores serão obrigados a funcionar num registo de "contents delivery" a turmas enormes de alunos que através de sucessivos exames passarão por uma espécie de "darwinismo educativo" sobrevivendo os clientes mais fortes, sendo os mais fracos enviados para o "trabalho manual".
Sopram ventos adversos, são os mercados a funcionar, dizem, também na educação. Os clientes mais "favorecidos", para utilizar um eufemismo frequente, comprarão bons serviços educativos e os menos "favorecidos" ... assim continuarão.
É o destino.
Texto de Zé Morgado
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