Hoje, gostava de lembrar Veiga Simão como Ministro da Educação. Assumiu o cargo entre 1970 e 1974. Estávamos no final do Estado Novo e foi nesse contexto político improvável que Veiga Simão se afirmou como reformador progressista.
Governou a educação com sentido de urgência e a noção de que não havia tempo a perder. São dele as seguintes palavras: “Entretanto, uma verdade se sobrepõe a todas: não podemos pedir que as crianças esperem por sistemas perfeitos, pelo que, e sem prejuízo dos planos do futuro, teremos de tomar medidas de emergência para superar as carências mais urgentes” (Comunicação ao País, Janeiro de 1972).
A sua ação incidiu sobre todos os graus de ensino, do pré-escolar ao superior. Alargou para oito anos a escolaridade obrigatória e gratuita, adiou para os 14 anos a idade de encaminhamento para as vias vocacionais de ensino, criou e construiu escolas, alargou e desenvolveu a ação social escolar, diversificou a organização curricular e as ofertas formativas, inovou nas práticas pedagógicas e na formação de professores, criou novas universidades, atribuiu bolsas de doutoramentos no estrangeiro a centenas de jovens e regulamentou o reconhecimento dos doutoramentos obtidos no estrangeiro. A sua reforma foi tão vasta e profunda que acabou por ficar com o seu nome. Na educação, a única reforma que tem nome de autor é mesmo a reforma Veiga Simão, espontaneamente associada à democratização do ensino: “A reforma tem por fim servir o povo: saber ler, escrever e contar já não é quanto basta para os portugueses. Critérios de justiça social e exigências da vida moderna levam-nos a querer e a planear para todos eles um sistema educativo que lhes permita realização plena como indivíduos e cidadãos.” (Contas à Nação, Janeiro de 1972).
Veiga Simão abordava os assuntos como homem da ciência, valorizando o uso da informação e do conhecimento para o planeamento e a decisão política. A sua reforma das universidades é a vários títulos exemplar. Baseou-a no estudo pioneiro dirigido por Sedas Nunes sobre os problemas das universidades no contexto nacional e internacional. A reforma que quis fazer teve como princípio fundador a diversidade. Diversidade de instituições, de cursos e de programas, tendo em vista o alargamento do acesso ao ensino superior e a criação de um ambiente mais competitivo, ou seja, menos protegido de uma sadia concorrência entre instituições. Entre outras medidas, criou novas instituições de ensino superior e universitário, regionalmente distribuídas e abertas a novas áreas do saber, funcionando num quadro de maior abertura. Acabou, assim, o monopólio das cidades de Lisboa, Porto e Coimbra no ensino superior, o que valeu ao ministro fortes críticas vindas das universidades e do próprio Governo. Há 40 anos os críticos diziam que a sua reforma teria como consequência, e cito um deles: “A degradação do ensino universitário; a paralisação da investigação científica; o abandono por parte da instituição universitária da posição de vanguarda que sempre lhe pertenceu. Isto simplesmente porque a frequência de milhares de alunos de nível cada vez mais baixo tolheria o corpo docente para o estudo e para a investigação; a massificação mataria a ideia de universidade formadora de elites sem as quais o país seria condenado”.
As instituições universitárias e unidades de investigação que hoje existem fazem a prova de que, em resultado das decisões de Veiga Simão, novas gerações de professores e novas instituições, então criadas ou reformadas, funcionando num quadro mais competitivo, ajudaram a modernizar o país e a cumprir os objectivos de mudança com que justificou a sua reforma.
Hoje, como há 40 anos, as universidades enfrentam desafios de mudança. Desafios que decorrem das exigências da integração no espaço europeu e da necessidade de se manterem como instituições relevantes e motores da mudança social e económica. Hoje, como há 40 anos, estão na ordem do dia debates antigos como o da dimensão óptima das instituições, tendo em conta as exigências da governabilidade e da utilização eficiente dos recursos públicos, ou o da oposição entre diversidade e especialização ou, ainda, e mais recorrentemente, o da falsa dicotomia entre quantidade de alunos e qualidade do ensino.
O receio da mudança e da competição potencia muitas vezes o pendor mais conservador das instituições e acorda fantasmas que pensávamos há muito enterrados. Revisitar os estudos e os debates que estiveram na base da reforma das universidades empreendida há 40 anos por Veiga Simão seria um bom uso da história e da memória. Certamente encontraríamos velhos debates, temas e argumentos. Mas encontraríamos também a demonstração da possibilidade de induzir mudanças sociais efectivas com boas políticas públicas. Esse é o legado maior de Veiga Simão.
Por: Maria de Lurdes Rodrigues
In: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário