quinta-feira, 8 de maio de 2014

Ainda fará sentido ter apenas um professor no 1.º ciclo?

Um único professor continua a acumular aulas de Matemática, Português, Estudo do Meio e Expressões Plásticas no 1.º ciclo. Será que este modelo está esgotado? Será que ter docentes especializados em cada uma das disciplinas ajudaria à transição do 1.º para o 2.º ciclo? Ou será que a monodocência deveria ser aplicada até ao 6.º ano? O assunto está novamente na ordem do dia.

Fará sentido continuar a ter um único professor em cada turma do 1.º ciclo do ensino básico? Será preferível manter a monodocência ou ter um docente para cada disciplina? A transição do 1.º para o 2.º ciclo seria mais tranquila com mais professores no primeiro nível de ensino? Ou prolongar a monodocência até ao 6.º ano significaria uma mudança mais pacífica para os alunos? Ter apenas um professor é sinónimo de relações afetivas mais sólidas e de uma gestão do tempo mais eficaz? O debate está de novo na agenda. Há sete anos, ponderou-se estender o modelo da monodocência ao 6.º ano para que não houvesse solavancos na passagem do 1.º para o 2.º ciclo. A ideia foi lançada, mas o modelo manteve-se até hoje sem alterações. 

Isabel Cabral é professora do ensino público há 16 anos. Defende o atual modelo que, em seu entender, deve ser mantido. Por várias razões. A relação afetiva entre alunos e um único professor proporciona um melhor relacionamento. Um único professor consegue gerir o tempo de forma mais eficaz e articula mais facilmente os saberes entre as várias disciplinas. “A monodocência, no tempo e sociedade atuais, é cada vez mais importante pois os alunos têm um adulto de referência”, refere ao EDUCARE.PT. Mesmo assim, na sua opinião, cada agrupamento deveria ter autonomia para gerir os professores, preferencialmente os do 4.º ano, e para introduzir a pluridocência com especial incidência nas áreas de Matemática e de Português. Por exemplo, uma turma do 4.º ano poderia ter uma aula de Matemática e uma aula de Português com outros professores, na sua semana de trabalho, integradas nas que são dadas pelo professor titular da turma. 

Isabel Cabral não concorda, todavia, com a aplicação da monodocência até ao 6.º ano. Não seria vantajoso nem para alunos nem para professores. “Se tal acontecesse, a organização escolar teria de sofrer uma reforma profunda, quer a nível de programas quer a nível de professores. Não me parece que hajam professores formados que tenham competências para lecionar todas as disciplinas previstas para o 5.º e 6.º anos de escolaridade.” No que diz respeito aos alunos, pelo que a experiência lhe mostra, a transição do 4.º para o 5.º ano é feita na altura certa, até porque as crianças já começam a estar em contacto com vários professores nas Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC) desde o 1.º ano de escolaridade. 

Ana Carvalho é professora há 21 anos. O assunto do professor único no 1.º ciclo é, em seu entender, um problema que a tutela tem para resolver e uma falsa questão. “Por que razão não há de o aluno do 1.º ciclo ter vários professores? Não os tem já agora com os professores das AEC? São perguntas que lança para o debate. A monodocência, na sua opinião, não traz vantagens nem para alunos nem para professores. E, além disso, não é nada fácil o trabalho de um docente do 1.º ciclo que tem de dominar, em simultâneo, áreas tão distintas. “Defendo, por isso, que o professor de 1.º ciclo se especialize numa área, à semelhança do que acontece nos outros ciclos. Aliás, estou convencida de que se perguntarmos aos professores que área preferem ensinar, eles certamente escolherão uma ou outra e não todas.” 

Ana Carvalho acredita que a especialização do professor do 1.º ciclo traria vantagens para o processo educativo, sobretudo, lembra, “num momento em que temos o enorme desafio dos novos programas e das metas curriculares”. “Há projetos de sucesso em que os alunos do 1.º ciclo vão circulando pelos vários professores do ano, de acordo com a sua área de especialidade.” “Por que razão não pode o professor do 1.º ciclo especializar- se numa determinada área de saber, ora por uma questão de maior apetência por essa área de saber em detrimento de outra, ou por uma questão que se prende com a sua formação inicial?”, questiona. 

Socialização partilhada 
Manuela Sousa é professora há 14 anos. A experiência de todos os dias ajuda-a a formar uma opinião sobre o assunto. Apesar de os alunos do 1.º ciclo estarem habituados à presença de mais do que um docente durante um dia de aulas, há sempre uma figura de referência predominante, neste caso, o professor titular. As crianças estão a crescer, a desenvolverem-se afetivamente, e precisam de um acompanhamento próximo. Para evitar o corte drástico entre o jardim de infância e a entrada no 1.º ciclo, Manuela Sousa sugere que poderia haver um professor a ensinar Português, Matemática e Estudo do Meio e outro docente a lecionar as áreas das Expressões Artísticas, havendo assim a presença de dois professores na mesma turma. O que permitiria, por outro lado, “uma entrada mais suave no 2.º ciclo”. 

“Não concordo com o professor único até ao final do 2.º ciclo, no entanto, sou a favor que um dos professores do 1.º ciclo continue pelo menos com uma área no 2.º ciclo – ou Português, ou Matemática ou Expressão Artística”, refere ao EDUCARE.PT. Seja como for, qualquer alteração ao modelo do professor único deve, antes de mais, “ser realizada com os próprios professores”. “A maioria das alterações no ensino são iniciadas pelo fim em vez de ser na base”, comenta. 

Filinto Lima é professor há 26 anos. “A disciplinarização do 1.º ciclo seria bem acolhida pelas escolas em benefício claro do sucesso dos alunos”, defende. O dirigente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) garante que as vantagens são evidentes. Professores especializados a ensinarem as disciplinas desde o 1.º ano e não, por exemplo, ter docentes a ensinar Matemática, disciplina que só aprenderam, enquanto alunos, até ao 9.º ano. Em nome de uma mudança mais tranquila entre 1.º e 2.º ciclos. “A desarticulação entre o 1.º e o 2.º ciclos esbate-se, passando a ser residual, contribuindo para o sucesso dos alunos”, exemplifica. Atualmente, lembra, já é possível os professores darem algumas disciplinas a outras turmas por troca com outros colegas. 

Paula Carqueja, presidente da Associação Nacional dos Professores (ANP), vai à base e recorda o que está definido no decreto-lei sobre o perfil de desempenho do professor do 1.º ciclo do ensino básico. “No 1.º ciclo, o ensino é globalizante, da responsabilidade de um professor único, que pode ser coadjuvado em áreas especializadas”. É o que diz a lei. Apesar de considerar que o modelo de professor único ainda não está esgotado, Paula Carqueja admite que a forma organizativa da escola pede um novo paradigma de professor do 1.º ciclo. 

“As áreas de expressões e a língua estrangeira deveriam ser ministradas por docentes dessas áreas, de acordo com as especificidades e competências a atingir – apesar de compreender a dificuldade sentida por esses docentes na relação didático-pedagógica, tendo em conta as idades das crianças”, refere. “Os docentes que ministrassem estas áreas poderiam acompanhar as crianças mais tarde no 5.º e 6.º anos, havendo uma transição amenizada”, defende. Em seu entender, a socialização entre crianças e adultos seria assim “mais enriquecedora e partilhada”. “O modelo passaria a ser alargado, aproximando-se dos restantes ciclos”, acrescenta. 

A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) analisou o assunto numa conferência e afirma que “o modelo do professor único está esgotado”. Há experiências que mostram que o 1.º ciclo pode ser enriquecido com outros professores, seja para alunos com necessidades educativas especiais, seja noutras situações. “Preocupa-nos alguma desvalorização que o Governo tem feito, por exemplo, o afastamento dos professores do 1.º ciclo da gestão das escolas ou a criação de mega-agrupamentos”, comentou Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF.

In: Educare

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