Antes de mais devo dizer, para que ninguém venha ao engano, que não vou falar de hospitais nem de saúde: o título é apenas uma metáfora para falar de Educação.
Quando a escola pública foi fundada em Portugal ainda na primeira metade do século XIX, a missão da escola foi definida como sendo um serviço que seria gratuito, laico – isto é, independente da maior instituição privada de educação que era (é) a Igreja – e sobretudo universal. Universal significava que a escola nascente se fundava para servir todas as crianças sem exceção e sem qualquer tipo de discriminação. Sabemos que este objetivo de que a educação chegasse a todas as crianças portuguesas foi um objetivo sempre postergado até nos termos tornado, por alturas do 25 de Abril de 1974, o povo menos escolarizado do espaço europeu. A Educação tardou muito, no nosso país, a ser universal por vários motivos: antes de mais, porque era difícil desenvolver uma escola de massas num regime ditatorial e protetor de elites; depois porque o sistema económico – ele próprio rural e muito atrasado – convidava ao trabalho precoce e pouco qualificado; e, por último mas não menos importante, não existia nenhum interesse político em que o povo fosse instruído de mais… “chegava, quando chegava, ler, escrever, contar e rezar. (Cf. António Teodoro “A Construção Política da Educação”, 2005, Ed. Afrontamento)
O certo é que a escola que tivemos em Portugal durante mais de um século e meio estava muito longe de ser “universal”. Era mais ou menos como se, em termos de Educação, Portugal tivesse só um milhão de habitantes em lugar de ser considerada toda a população.
Hoje, podemos falar em Portugal de uma educação universal, graças, sobretudo, ao ciclópico esforço que desde o 25 de Abril de 1974 foi desenvolvido para que saíssemos da vergonhosa cauda educativa dos países que fazem parte do nosso espaço geopolítico. Temos hoje uma educação universal. Mas o que significa exatamente uma educação universal?
Significa, antes de mais, que é uma educação que não perde alunos na sua etapa considerada obrigatória. Se existem alunos que abandonam a escola antes da sua escolaridade básica estar completa, a escolaridade deixa de ser universal. Isto por uma razão muito simples: a universalidade não se constata no acesso (isso hoje está resolvido), nas sim no sucesso do processo educativo. António Nóvoa afirmou recentemente, numa entrevista ao JL, que “ganhamos a batalha da presença mas falta ganhar a da aprendizagem”.
Universal significa também que abrange todos os alunos. Quando dizemos “todos os alunos” são todos mesmo. Vejamos: nos documentos legais que fundam a escola pública, não é dito, em momento algum, que a escola é para uns alunos e não para outros; não se contemplam exceções no direito à educação. E bem. A escola, ao constituir-se como um serviço universal, institui-se como prestadora de educação aos alunos bons, aos “mais ou menos” e aos maus alunos, aos que aprendem depressa e aos que aprendem devagar, aos que têm deficiências e aos que não têm deficiências, aos que querem estudar e aos que não querem estudar, aos pobres e aos ricos, enfim, a escola é para todos e – mais - é obrigatória para todos.
Por isso parecem tão estranhas as posições que defendem que a educação é só para quem quer, que a escola não está preparada para os maus alunos (!!!), que a escola não pode educar os alunos com deficiência ou ainda que, para alunos com dificuldades, são necessários menos recursos, professores menos qualificados e experientes e talvez menos anos de escolarização.
A escola pública foi criada para ser universal, isto é, para educar todos os alunos. E diríamos até “sobretudo” os que têm mais necessidade de Educação por que é a Educação a única esperança eles podem ter de aceder a uma vida melhor. Mesmo que eles não saibam disso.
Por isso é tão importante defender a universalidade da escola pública que – ao contrário do que pode parecer, não é uma objetivo retrógrado. Assim como os hospitais foram fundados como instituições universais para tratar de todas as pessoas que deles precisem, a escola tem também esta missão: a de ensinar todos e “em particular” aqueles que sem a escola não têm onde apoiar o pé para aceder a uma vida digna e cidadã.
Por: David Rodrigues
Professor universitário, presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial
In: Público
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