segunda-feira, 12 de abril de 2010

Obstetra acusada do crime de recusa de médico

Médica começa hoje, segunda-feira, a ser julgada pelo parto de uma criança que nasceu com paralisia cerebral.

A obstetra envolvida no caso do parto de uma criança que nasceu com paralisia cerebral, em Fevereiro de 2003, na maternidade de Mirandela, vai começar a ser julgada hoje, acusada de autoria material, na forma consumada, de um crime de recusa de médico.

O julgamento acontece por determinação do Tribunal da Relação do Porto (TRP) que decidiu, em Junho de 2009, levar a médica a julgamento, contrariando uma decisão anterior do Tribunal Judicial de Mirandela. Em Outubro de 2008, um juiz de instrução daquele tribunal não tinha encontrado indícios criminais e decidiu não levar a julgamento a obstetra e a enfermeira que assistiram o parto de Gonçalo Damasceno, em 2003. A médica ausentou-se do hospital quando estava de serviço (ver texto em baixo).

Os pais da criança, que desencadearam o processo, recorreram desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto que manteve o despacho em relação à enfermeira, mas determinou a alteração relativamente à obstetra indicando que fosse pronunciada, pelo menos, pela prática do crime de recusa de médico.

"Primeira alegria em sete anos"

Mário Damasceno e Isabel Bragada (pais da criança) já viram ser arquivada, pelo Ministério Público, em 2007, uma queixa-crime contra a obstetra, mas voltaram a ter esperança após a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde ter decidido suspender, por 90 dias, sem direito a remuneração, a médica em causa. Perante estes novos dados, em Outubro de 2007, os pais decidiram constituír-se como assistentes no processo e requereram a abertura da instrução. "É a primeira alegria nos últimos sete anos depois de uma longa luta e de duas derrotas neste tribunal com os arquivamentos". A mãe de Gonçalo espera que a médica "seja punida pelo estado em que deixou o meu filho" e que o tribunal lhe dê razão no pedido de indemnização para proporcionar "melhor qualidade de vida" ao filho.

A médica, Olímpia do Carmo, chegou a exercer as funções de chefe do serviço de obstetrícia do Centro Hospitalar do Nordeste, mas após cumprir a sanção disciplinar pediu transferência para o centro hospitalar do Vale do Sousa (Penafiel). Olímpia não quis falar sobre este caso que começa a ser julgado hoje no tribunal judicial de Mirandela.

Gonçalo, agora com sete anos, é completamente dependente, tem paralisia cerebral e uma epilepsia descompensada que necessitam de cuidados permanentes, implicando a deslocação ao núcleo de Vila Real da Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral, duas vezes por semana, para terapia ocupacional, fisioterapia e apoio técnico precoce. Como os pais trabalham, foi necessário contratar uma ama para cuidar da criança, que necessita diariamente de ser alimentado por uma sonda, de medicação e de aspirações constantes.

Os factos remontam a 11 de Fevereiro de 2003, dia em que Isabel Bragada deu entrada, pelas 10.30 horas, no hospital de Mirandela com 39 semanas e dois dias de gestação.

A médica obstetra (arguida) que acompanhou todo o período de gestação decidiu que iria provocar o parto e propôs o internamento na maternidade, entretanto encerrada em Setembro de 2006. Não obstante encontrar-se em regime de presença física, "com o dever de acompanhar o parto", acrescenta o despacho de pronúncia, ausentou-se do hospital para sua casa a partir das 17 horas.

Parteiras que trabalhem

Às 20.32 horas, quando a dilatação já estava em oito centímetros, a arguida foi contactada por uma enfermeira parteira que lhe pediu com insistência para se deslocar ao hospital, que precisava da sua ajuda porque a parturiente estava muito ansiosa por não ter voltado a ver a médica, respondendo-lhe a arguida que, "se estavam duas parteiras no hospital era para trabalhar, porque também o ganhavam", refere o despacho.

Entretanto, a parturiente entrou no período expulsivo, mas não colaborava, por exaustão, e o feto veio a ficar encravado.

A permanência deste no canal do parto provocou-lhe dificuldades respiratórias, cada vez mais graves, e consequente falta de oxigenação do sangue, com inerente perigo grave para a sua integridade física e até para a sua vida. E tal perigo não podia ser removido de outra forma senão pela intervenção médica arguida, de tal modo que a anestesista, a pediatra e duas enfermeiras parteiras presentes não conseguiram fazer o parto, apesar de o terem tentado por todos os meios, chegando a um ponto de impasse em que apenas lhes restou esperar pela chegada da arguida para realizar o parto, que foi novamente contactada para o efeito, pelas 21.02 horas.

Estava de serviço mas foi para casa e não acompanhou o parto

Só compareceu após 2 chamadas

A arguida "só compareceu no hospital depois destes dois últimos telefonemas". Dez minutos depois das 21 horas, Isabel Bragada deu à luz o Gonçalo.

Durante o período de parto e até às 21.07 horas, "o bebé manteve-se em sofrimento fetal agudo, que revelava asfixia perinatal, surgida durante o parto". "Como consequência directa", Gonçalo Damasceno sofreu edema cerebral extenso e veio a nascer com paralisia cerebral e epilepsia, com uma incapacidade permanente de 95%, apresentando, do ponto de vista neurológico, um gravíssimo atraso de desenvolvimento psicomotor.

Ainda segundo o despacho de pronúncia, não fora o facto da arguida não ter acompanhado o parto e ter recusado comparecer no hospital e prestar auxílio médico necessário solicitado, em tempo útil, e Gonçalo "não nasceria com as sequelas" já reveladas.

3 comentários:

  1. Desumano, vergonhoso e infelizmente não é caso único... A paralesia cerebral tem na sua grande maioria a mesma origem.
    Tem obviamente que ser punido este acto, no entanto, não há nenhuma punição que seja suficiente para aquilo que provocou na vida desta criança e seus familiares!
    Uma vergonha que persiste em suceder vezes demais sem que hajam responsáveis. Eu própria estive toda uma noite sózinha (não deixaram o meu marido entrar, talvez para que não percebesse que iamos estar sozinhos toda a noite), sem liquido amniótico e estando o Vasco com o cordão umbilical enrrolado no pescoço, desdas 23 horas de um dia, até às 08 horas da manhã do dia seguinte - hora em que mudou o turno e apareceu uma enfermeira e um médico para me assistir, finalmente. Tentaram o parto normal, e deduziram que jamais iria ocorrer sem ajuda, porque também eu estava exausta para poder fazer força... o parto só podería fazer-se com fóceps e teria de ser imediatamente! Este imediatamente aconteceu apenas pelas 11 horas da manhã, quando a sala de partos vagou!!! Tentaram ventosas e só depois os "ferros". Nascia assim o meu Vasco, sem chorar, a ter que ser reanimado - disseram-me que só mo poderiam entregar no dia seguinte porque ele não estava muito bem, mas para não me preocupar. No livro do Nascimento foi escrito que o indice de apgar ao 1º. minuto foi 7 e 10 depois. Como vi o Vasco, sem grande reação, não acredito muito nestes valores... mas já passou, foi à 8 anos, e o Vasco não sofre de paralesía cerebral.

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  2. Realmente chocante e desumano...E é como diz Cristina, infelizmente não é caso único...Uma vida humana não pode ser colocada em risco desta maneira.
    Não há "pena" ou "castigo" suficiente para estes casos...

    O seu testemunho arrepiou-me...Cada vez a admiro mais...a si e a toda a sua família...São um exemplo de vida!!!

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