segunda-feira, 4 de outubro de 2010

À procura das bases neurais do comportamento humano


A segunda fatia do "bolo" científico do Centro Champalimaud vai para as neurociências do comportamento e da tomada de decisão.

O grupo internacional de cientistas que irá dedicar-se às neurociências no novo Centro Champalimaud de Investigação já está em grande parte em Portugal. Por enquanto, ao abrigo de uma colaboração com a Fundação Gulbenkian, estão albergados no Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras.

"Estamos ainda a recrutar muita gente, portanto os números ainda não são definitivos, mas estamos a falar de algo na ordem das 60 a 70 pessoas", disse ao PÚBLICO o norte-americano Zachary Mainen, 41 anos, coordenador do Programa Champalimaud de Neurociência, durante uma conversa há uns dias naquele instituto. "Temos 12 investigadores principais: [sete já a trabalhar no IGC], dois que acabaram de chegar, mas apenas têm um gabinete e estão à espera que o novo centro abra; e três cujos grupos estão neste momento associados, afiliados ao programa, mas que ainda trabalham noutros sítios [em Portugal]. Há mais dois que já foram contratados, mas que ainda não estão cá - e mais dois com quem estamos a negociar. Portanto até ao Verão 2011, seremos à volta de 16 investigadores principais, portugueses e não portugueses (os três últimos são norte-americanos)." O que poderá fazer aumentar o número total de investigadores para uma centena.

Espírito de equipa

"Acho que conseguimos ultrapassar a primeira fase", diz-nos, por seu lado, Rui Costa, um dos investigadores principais do programa, que em 2009 voltou dos EUA e que também trabalha actualmente no IGC. "Conseguimos atrair dez a 15 grupos internacionais de neurociência para vir para cá. Mais de 50 por cento não são portugueses, e umas 35 a 40 pessoas de 38 nacionalidades concorrem ao nosso programa de doutoramento todos os anos. É uma coisa incrível que pessoas da Índia, do Quénia, da Alemanha, da Áustria, da Rússia, dos Estados Unidos, do Canadá, do México, do Brasil, queiram vir estudar e trabalhar em Portugal."

Claro que há outros sítios em Portugal que recrutam a nível internacional e cuja avaliação é feita a nível internacional. "[Mas]", diz Rui Costa, "pelo facto de existirmos, as outras instituições boas já estão também a fazê-lo mais frequentemente. É um modus operandi potenciador."

Para Rui Costa, não há dúvidas de que a ciência que irá ser desenvolvida no novo centro de investigação é inovadora. Perceber como é que os neurónios funcionam é essencial, e "há muitos sítios muito bons a fazer isso", ressalva. Mas "estudar como é que o comportamento surge a partir do cérebro, isso é inovador". Ao nível do neurónio, não é possível explicar como é que o cérebro leva uma pessoa a comportar-se desta forma e não daquela, ou a desenvolver uma esquizofrenia, uma depressão, a sofrer de autismo ou a ter uma compulsão pelo jogo. "A tomada de decisão é um dos ícones maiores do que queremos investigar", observa Rui Costa.

Mas a inovação, explica, também está na própria maneira de fazer ciência. "Por exemplo, apesar de haver diferentes senioridades a nível dos investigadores principais, todos têm a mesma designação." E, apesar de haver laboratórios individuais, as pessoas podem participar em simultâneo em vários projectos e estar integradas em vários grupos. "O equipamento é de todos, o espaço é de quem precisa", diz Rui Costa. "Isso poupa muitos recursos e aumenta a massa crítica, o que é muito importante, quando estamos a tentar fazer uma coisa num sítio que não é o centro da ciência do mundo. E de facto não é, mesmo que tenhamos os fundos e um centro magnífico. Mas 100 pessoas a discutir muito formam mil ideias."

"No fundo", frisa ainda o cientista, "somos uma única grande equipa. Aliás, o Zach [Mainen] já mandou mesmo fazer umas T-shirts do género das equipas de futebol. A Leonor Beleza, o João Botelho e o António Borges tiveram os primeiros números e a seguir todos os outros - investigadores, técnicos, etc."

Ora, há "quatro ou cinco centros de neurociência no mundo com este tipo de objectivos e de organização", salienta. "Na Europa não há nenhum - embora haja um ou dois a quererem-se formar - e nós já temos mais investigadores. Portanto, acho que [o nosso centro] vai ser uma espécie de menir da neurociência na Europa, um marco deste tipo novo de neurociência em que se procuram as bases neuronais do comportamento e dos problemas de comportamento."Mas a partida ainda não está ganha: "Temos um desafio tremendo pela frente", salienta Rui Costa. "Estamos a dizer que vamos ser um dos melhores centros da Europa e do mundo - o que não é fácil de cumprir. Mesmo os melhores sítios demoram muitos e muitos anos até ter uma reputação. E não basta atrair os melhores agora, com o efeito de novidade. A seguir, vai ser preciso formar uma nova geração dos melhores."

Menos "translacionais"

Será um dia possível tratar - ou mesmo curar - as doenças mentais? Ninguém sabe ao certo, mas parece consensual dizer-se que ainda há muita investigação básica em neurociências pela frente. Por isso, o Programa de Neurociência não irá ter uma abordagem tão "translacional" como o Centro do Cancro (ver artigo ao lado). "Não estamos focados em nenhuma doença em particular", diz Zach Mainen, "e nenhum dos nós está a pensar em problemas médicos." Contudo, o cientista não exclui que possa haver na equipa quem comece a interessar-se por alguma doença em particular. Mas a ideia por enquanto é fazer investigação de base - "o que poderá levar, acidentalmente, a algum desenvolvimento médico".

"Na parte do cancro" diz por seu lado Rui Costa, "começa a ser óbvio como fazer para obter melhores resultados. É preciso muita investigação básica, mas também é preciso muita aplicação. Na área das neurociências, estamos como se estava na área do cancro há 50 ou 60 anos, quando se dizia que uma pessoa tinha um tumor. Podia ser benigno, podia ser um hematoma, podia ser um cancro maligno. Podia ter uma mutação e gerar metástases no pulmão e matar a pessoa. Não havia muito a fazer a não ser tirar o tumor. Hoje em dia, já não é assim - a pessoa faz uma biopsia e pode saber exactamente que tipo de mutação tem. Está-se numa fase de intervenção. Nas neurociências, ainda estamos na fase do tumor."

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