terça-feira, 30 de novembro de 2010

Doentes controlados por GPS

É o retorno à infância na memória. O doente de Alzheimer começa por se esquecer de pequenas situações do dia-a-dia: um encontro ou telefonemas feitos duas vezes para uma pessoa a dizer a mesma coisa e de cujo conteúdo não volta a lembrar-se. 


A doença causa um vazio progressivo e a perda da memória dos últimos 40 ou 50 anos. Preocupadas com os perigos que envolvem o Alzheimer, três alunas da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra desenvolveram um projecto para um equipamento de ajuda aos doentes e familiares. Uma das principais valências é a localização por GPS, útil sobretudo nas fases menos avançadas da doença. 

O Altec (Alzheimer Tecnology) inclui dois aparelhos: um para o doente e outro para quem cuida dele. O primeiro tem uma agenda electrónica, com anotações das actividades diárias e um alarme para o lembrar; uma lista telefónica com os contactos das pessoas mais próximas e um botão SOS para o doente accionar no caso de se perder. Sempre que é pressionado, a sua localização surge no aparelho do cuidador. Este, através do GPS, sabe onde o doente se encontra, e tem também acesso ao seu programa de actividades diárias.

A ideia partiu das alunas Carla Costa, Cristiana Silva e Ana Marta Gonçalves, sob a orientação do professor Paulo Queirós. O objectivo é "promover a autonomia do doente".

A doença de Alzheimer é uma demência que afecta sobretudo os idosos. Os doentes apresentam defeito de memória recente, esquecendo o que se passou ontem ou há 10 minutos. 

Segundo a neurologista Isabel Santana, este defeito vai-se ampliando, e a memória recente recua cada vez mais, de forma a que, nas fases mais severas, o doente confunde o marido com o pai, ou a mulher com a mãe. Esquece os últimos anos e passa a viver nas suas memórias de infância. 

UTILIZAÇÃO INTUITIVA

O Altec idealizado pelas alunas da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra está pensado para ser usado por pessoas idosas já com limitações. "É normal que os doentes tenham problemas de visão, por isso o aparelho tem uma saída de voz", refere Ana Marta Gonçalves, uma das estudantes. Por outro lado, acrescenta a colega Carla Costa, "tem de ser de manuseamento muito simples, por isso a utilização dos botões é bastante intuitiva". Deverá ser colocado num cinto ou numa pulseira. 

ENVOLVIMENTO DE ASSOCIAÇÕES

Uma empresa da zona de Aveiro já demonstrou interesse em desenvolver o projecto. Mas o passo seguinte, segundo Paulo Queirós, professor da Escola Superior de Enfermagem, será "envolver as associações de doentes e os próprios médicos da área para apurar uma ou outra funcionalidade do equipamento". Com a concretização do aparelho, a ideia é "encontrar ajuda" na sua comercialização "a preços acessíveis" para abranger todas as classes sociais.

DISCURSO DIRECTO

"OS GÉNIOS TAMBÉM TÊM ESTA DOENÇA", Isabel Santana, Neurologista dos HUC e professora na Faculdade de Medicina 

Correio da Manhã – Quais as causas da doença?

Isabel Santana – Há várias. Todas as doenças que aparecem no envelhecimento são complexas. O principal factor de risco é a idade. Também pode ser determinada por um erro genético, mas são casos raros.

– É possível fazer prevenção?

– Podemos prevenir os factores aceleradores de envelhecimento, relacionados sobretudo com padrões de vida que não são saudáveis. Os estudos demonstram ainda que a baixa escolaridade se associa a um maior risco. Isto não significa que só essas pessoas sejam afectadas. Os génios também têm a doença. Mas têm menos sintomas. O treino cognitivo é um factor geral de protecção.

– Como é a progressão da doença?

– Nas fases iniciais, não se esquece tudo. Nas fases moderadas, pode esquecer-se muita coisa do dia-a-dia. A maior parte dos meus doentes em fase moderada não me conhece, embora seja médica deles há três ou quatro anos. Nas fases mais severas, perdem todas as capacidades, deixam de saber falar e não comunicam.

– Os fármacos travam a doença?

– Não param nem reduzem. No dia-a-dia, conseguimos melhorar as capacidades através de sistemas artificiais, com substâncias químicas que faltam no cérebro. Melhoramos os sintomas, ao compensar o defeito que existe, mas não há nenhum fármaco que pare aquela morte neuronal. A doença progride objectivamente.

O MEU CASO: MANUEL DUARTE

"SÓ SE LEMBRAVA DO ANTIGO"
Manuel Duarte, 67 anos, residente em Seixo, Pombal, reage como uma criança quando a mulher o desafia a ir ver as cabras. "Vamos às cabritas! Vamos às cabritas!", repete, ansioso. "É tal e qual como uma criança quando recebe um brinquedo", refere a mulher, Maria dos Prazeres Vale, 62 anos, que associa esta paixão ao seu "tempo de menino, quando guardava as cabras dos pais".

Os primeiros sintomas da doença foram detectados há oito anos. "Esquecia-se do presente e só se lembrava do antigo", conta Maria dos Prazeres, que começou a estranhar o comportamento do marido: "Sempre que lhe pedia uma coisa, ele trazia-me outra." Até que um dia se perdeu na aldeia onde reside, quando tentava ir ter com a mulher, a 500 metros de casa. Foi nessa altura que Maria dos Prazeres deixou de trabalhar para cuidar do marido. "Foi muito difícil", admite, mas aprendeu a lidar com a doença, com a ajuda da Delegação Centro da Associação Alzheimer Portugal. Manuel Duarte era pedreiro e deixou a profissão há anos. Mas já depois era frequente apanhá-lo "com os bolsos cheios de pregos e o martelo à cintura." Hoje, "não se veste nem come sozinho. É pior do que uma criança, porque a um filho nós damos uma palmada quando se porta mal e neste caso tem de ser um beijo e um abraço", diz a mulher. 
ASSOCIAÇÃO NACIONAL APOIA DOENTES E FAMÍLIAS

Manuel Duarte é um dos doentes apoiados pela Delegação Centro da Associação Alzheimer Portugal, em Pombal. Todas as semanas participa em sessões de psicomotricidade e faz hidroterapia. Além das actividades para os utentes, a instituição apoia também as famílias, ensinando-as a lidar com a doença. Depois de feito o diagnóstico, é definida a estratégia de intervenção de acordo com as necessidades.

É IMPORTANTE CONVERSAR

Estudos demonstram que quanto maior for a capacidade linguística menor é a demência, pelo que é recomendável que as pessoas conversem. Mas também é preciso tempo para solidificar os conhecimentos. 

TODOS OS CASOS SÃO DIFERENTES

A esperança média de vida dos doentes situa-se entre os 10 e os 15 anos. A neurologista Isabel Santana refere que a doença é diferente em cada caso. Alguns têm uma evolução mais lenta do que outros.

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