segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Projecto BloNo - Sms para cegos

Pegue no seu telemóvel. Abra o menu para criar uma nova mensagem. Feche os olhos e escreva um sms. Para quem é adolescente e envia dezenas de sms por dia, a tarefa até não é demasiado complexa (é frequente ver-se jovens a escrever mensagens enquanto conversam ou olham distraidamente para o outro lado - e com uma rapidez que supera a de muitos que estão de olhos e dedos agarrados ao teclado). Contudo, para a maioria, escrever um sms de olhos fechados é impossível. A tarefa torna-se mais complicada se o seu telemóvel tiver um ecrã sensível ao toque (como o iPhone). Neste caso, nem vale a pena tentar.

Mesmo que tenha um telemóvel tradicional e uma boa imagem mental das letras que correspondem a cada tecla (são nove teclas, de 1 a 9, e mais uma fila de três teclas em baixo), verá que é fácil ficar perdido. Não apenas porque pode estar a premir uma tecla que não é aquela que pensa, mas também porque poderá ter dúvidas. O H é a segunda ou terceira letra na tecla 4? E quantas vezes é preciso premir a tecla certa para introduzir um ponto de interrogação?

No caso das pessoas cegas ou com grandes dificuldades de visão, a maior sensibilidade que muitos – mas não todos – têm nos dedos ajuda a navegar pelo teclado e premir a tecla pretendida sem errar (muitos teclados, aliás, têm pequenas saliências na tecla central, a do número 5, que ajudam a identificar as teclas pelo toque). Porém, muitas destas pessoas, sobretudo aquelas que são cegas desde antes de os telemóveis se terem tornado num aparelho obrigatório, têm uma desvantagem grande: nunca viram um teclado e precisam de o saber de cor para poderem escrever um sms.

Um grupo de investigadores do INESC-ID, um laboratório de investigação do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, desenvolveu um sistema, chamado BloNo, para facilitar a escrita de mensagens por parte de pessoas cegas ou com dificuldades visuais. Um dos objectivos é "aliviar a carga cognitiva de ter várias letras associadas a teclas", explica Tiago Guerreiro, estudante de doutoramento no instituto e um dos investigadores que constituem o núcleo do projecto, a par do colega Hugo Nicolau e sob a coordenação do investigador Joaquim Jorge, responsável pela equipa. O sistema, de resto, não é de grande complexidade técnica, admitem. A grande novidade é o conceito: um novo esquema de organização das letras, feito para ser mais facilmente utilizado por quem tem de o saber de cor.

Dividir o alfabeto
Ao estudarem o assunto, os investigadores notaram que as vogais surgem no alfabeto a intervalos de extensão mais ou menos semelhante. Como praticamente toda a gente conhece a ordem das vogais, esta poderia ser uma boa forma de navegar por todas as letras.

A opção foi dividir o alfabeto em cinco filas, cada uma a começar por uma vogal. Quando chega à última consoante antes da próxima vogal, a fila termina e começa uma nova. O resultado é uma matriz como esta:

A B C D
E F G H
I J K L M N
O P Q R S T
U V W X Y Z

Com esta disposição de letras, as pessoas podem navegar verticalmente pelas vogais, de forma a seleccionarem a fila que pretendem. Depois, e se a letra pretendida for uma consoante, basta seguir para a direita (ou para a esquerda, caso se pretenda seleccionar uma letra da fila de cima). Por exemplo: para seleccionar a letra P, o utilizador tem de fazer movimentos para baixo (usando as teclas numéricas) até chegar à fila do O; uma vez aqui, anda uma "casa" para a direita.

A navegação vertical pelas vogais é, porém, apenas um atalho, explica Tiago Guerreiro. A ideia é que as pessoas usem as vogais para chegar rapidamente às consoantes que lhes estão próximas, usando um raciocínio do género: "o O é a vogal mais próxima do P, por isso, vou até à fila do O e sigo para a direita até encontrar o P".

A prática ajuda a dominar a técnica (segundo dados das experiências, a taxa de erros a escrever sms diminui ao longo das utilizações). Mas é também possível ir simplesmente seguindo de forma linear pelo alfabeto, tanto para trás como para a frente, e seleccionar as letras pretendidas, premindo a tecla 5.

Ao longo de todo este processo, o sistema faz outra coisa imprescindível: vai anunciando em voz alta a letra pela qual o utilizador está a passar. Este sistema de voz (que não foi desenvolvido pelo grupo, mas comprado a uma empresa) também lê a palavra completa quando esta é escrita. E lê ainda o resto do ecrã do telemóvel, ajudando os utilizadores a encontrar os menus certos.

Uma das vantagens da forma como os investigadores do INESC usam o sintetizador de voz é o facto de este não ler todos os elementos do ecrã, como, por exemplo, o nome do operador de comunicações ou outros dados irrelevantes quando se usa um telemóvel. Apenas lê as palavras que podem ser úteis: agenda, contactos, calculadora, chamadas, mensagens. Toda a interface de navegação foi desenhada a pensar em quem não vê, em vez de simplesmente oferecer uma versão vocalizada das interfaces convencionais.Também no ecrã
As primeiras experiências foram feitas em telemóveis da marca HTC. Eram aparelhos relativamente simples, com um teclado convencional e que tinham um preço nas lojas a rondar os 120 euros. "A investigação é focada em telemóveis de uso comum", frisa Tiago Guerreiro.

Num segundo passo, porém, a equipa resolveu passar para os telemóveis com ecrã sensível ao toque - uma preocupação que já não é recente para Joaquim Jorge. Já em 2003, lembra, o grupo de investigação tinha trabalhado numa película aderente para ser usada em ecrãs tácteis (nessa altura, faltavam ainda quatro anos para o iPhone chegar ao mercado e, com ele, surgir a explosão deste género de telemóveis).

Adaptar o sistema aos ecrãs tácteis não foi difícil. Em vez de usar as teclas para navegar, o utilizador desliza o dedo pelo ecrã: para cima, para baixo e para os lados. Como o utilizador não tem de acertar numa tecla específica, a utilização acaba até por ser mais rápida.

Carlos Bastardo é psicólogo e formador na Fundação Raquel e Martin Sain, uma instituição que dá apoio a cegos e que ajudou para testar a tecnologia desenvolvida pelo grupo de Joaquim Jorge. E é também um utilizador satisfeito do sistema, reconhece, antes de fazer uma demonstração para a Pública em que, com o telemóvel próximo do ouvido, escreve um sms a dizer que naquele dia chegará mais tarde para jantar - foi rápido.

Carlos Bastardo explica que já existem sistemas de braille para escrever em telemóveis. Mas estes colocam dois problemas, não muito diferentes dos que existem no uso convencional dos teclados: os utilizadores têm de ter uma grande habilidade táctil e conhecer os símbolos braille. "Apenas uma percentagem reduzida de pessoas sabe braille", afirma Bastardo, acrescentando que muitas pessoas cegam já depois dos 60 anos, numa idade em que a redução da capacidade sensorial e da capacidade cognitiva dificulta a aprendizagem.

O BloNo, porém, nunca saiu do meio académico. Joaquim Jorge assegura que fazer a passagem para outros modelos de telemóveis é tecnicamente simples. Mas, argumenta, uma distribuição em larga escala teria de ser feita em parceria com os operadores de comunicações. Estes, porém, já disponibilizam sistemas para cegos e, contactados pelos investigadores, não mostraram interesse neste projecto, diz Joaquim Jorge. E porque não, então, disponibilizar o sistema gratuitamente para quem o quisesse descarregar e usar? Por um lado, responde o responsável, porque é preciso pagar uma licença para usar o sintetizador de fala - e é preciso pagar por cada pessoa em cujo telemóvel este seja instalado. Por outro, defende, porque os telemóveis já deviam ser vendidos com o sistema instalado, para evitar esse trabalho ao utilizador. "O problema não é técnico. É um problema de adopção de tecnologia. As pessoas gostam de abrir, ligar e usar."

In: http://www.publico.pt/Tecnologia/sms-para-cegos_1467509?all=1 

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