Desde os primeiros tempos de vida, a maioria das crianças são sociáveis e procuram activamente o contacto com os outros: jogam ao "faz-de-conta", brincam com os seus pares, gostam de dar e receber mimos.
No entanto, em certos casos, os pais notam que o seu filho não interage com os outros desta forma. É o que acontece com a criança autista, na qual existe problemas em três domínios: socialização, comunicação e comportamento.
Leo Kanner descreveu esta patologia em 1943 e cerca de um ano mais tarde, um grupo de crianças com características semelhantes foi descrito por Asperger.
Em que idade aparece?
As manifestações da doença são notadas quase sempre antes dos 3 anos, geralmente entre os 6 e os 20 meses de idade.
Tipicamente não existe um período de desenvolvimento normal, embora em cerca de 20% dos casos os pais tenham descrito um desenvolvimento relativamente normal durante um ou dois anos.
É uma doença frequente?
Não. Segundo os estudos mais recentes, para uma população de 10 000 indivíduos há 10 pessoas com autismo. Transpondo para o nosso país, haverá cerca de 10 000 pessoas com esta doença.
O autismo pode ocorrer em qualquer família, independentemente do seu grupo racial, étnico, socio-económico ou cultural.
Sabe-se que é mais frequente no sexo masculino, numa proporção de 4 a 5 rapazes para 1 rapariga.
Quais as causas desta doença?
Foram propostas diversas teorias para tentar explicar o autismo.
Trata-se de uma perturbação biológica, com forte componente genético; contudo, a sua etiologia é desconhecida, parecendo ser multifactorial.
Nas décadas de 40 e 50 acreditava-se que a causa do autismo residia nos problemas de interacção da criança com os pais/família. Hoje sabe-se que esta ligação não tem qualquer fundamento.
A partir dos anos 60, com investigações baseadas em estudos de casos de gémeos e doenças genéticas associadas ao autismo (X frágil, esclerose tuberosa, fenilcetonúria, entre outras), descobriu-se a existência de um factor genético multifactorial e de diversas causas orgânicas relacionadas com a sua origem. Factores pré-natais (como a rubéola materna) e durante o parto (prematuridade, baixo peso ao nascer, infecções graves neonatais) também parecem ter influência no aparecimento das perturbações do espectro do autismo.
Quais as manifestações a que os pais devem estar atentos?
O bebé com autismo apresenta determinadas características diferentes dos outros bebés da sua idade.
Pode mostrar indiferença pelas pessoas e pelo ambiente ou ter medo de objectos. Por vezes tem problemas de alimentação e de sono.
Pode chorar muito sem razão aparente ou, pelo contrário, pode nunca chorar.
Quando começa a gatinhar pode fazer movimentos repetitivos (bater palmas, rodar objectos, mover a cabeça de um lado para o outro).
Ao brincar não utiliza o jogo social nem o jogo de faz-de-conta.
Tem grande dificuldade de interagir com as outras crianças.
Não utiliza os brinquedos na sua função própria: um carro pode servir como objecto de arremesso e uma boneca para desmanchar.
Que outras características têm estas crianças?
Partindo do que se denomina a tríade de perturbações do autismo, com manifestações nos já citados três domínios, podemos agrupar as características:
Domínio social
- Parecem viver no seu próprio mundo, desligadas, alheadas, desinteressadas e insensíveis aos outros.
- Grande dificuldade em interagir com outras crianças: partilhar, cooperar ou jogar à vez são para eles tarefas muito difíceis.
- Seres humanos, animais e objectos poderão ser tratados da mesma forma.
- Relativa incapacidade de partilha de alegrias ou procura de ajuda/conforto em situações de stress.
Domínio da comunicação
- Evitam o contacto ocular e podem resistir ou mostrar desagrado ao serem pegados ou tocados.
- Têm perturbações da linguagem (tanto da compreensão como da expressão), por vezes mesmo uma ausência de linguagem que faz pensar em surdez. Se existe linguagem, o vocabulário é pobre. É frequente não usarem o eu e repetirem de modo estranho, como que em eco, o que acabaram de ouvir (ecolalia).
- Problemas na comunicação não-verbal: mantêm-se muito próximas ou muito afastadas dos interlocutores e olham para os lábios em vez de para os olhos durante a comunicação. Fazem um uso muito pobre da mímica facial ou dos gestos.
Domínio do comportamento
- Tendem a entregar-se a jogos e rotinas repetitivas, de forma isolada, como por exemplo fazer girar objectos. Têm com frequência, em particular em situações de angústia e excitação, movimentos repetitivos das mãos, dedos, etc. (por exemplo abanar as mãos como a imitar um passarinho).
- Grande rigidez do pensamento e comportamento, por vezes com crises de auto e heteroagressividade face às mudanças das rotinas ou do meio que as rodeia ou quando são contrariadas.
- Ligações bizarras a certos objectos ou partes destes.
- Por vezes são extremamente sensíveis a cheiros, sabores e sensações tácteis.
- A hiperactividade é um problema comum.
- Em certos casos existem talentos especiais, por exemplo para o cálculo, a música ou o desenho.
Todas as crianças com autismo têm atraso mental?
O défice cognitivo (atraso mental) ocorre em 65-88% dos casos. Algumas destas crianças têm inteligência normal ou até superior, como pode acontecer na síndrome de Asperger.
Há tratamento para esta doença?
É muito importante que a criança seja orientada o mais precocemente possível para uma consulta de Pediatria de Desenvolvimento, onde, no caso de se concluir por este diagnóstico, se irá traçar um programa de intervenção específico. Este envolve vários tipos de terapia (psicológica, de linguagem, ocupacional) e estratégias educativas. O tratamento pode também envolver psicofármacos em situações de agressividade, autodestruição ou convulsões. É fundamental a participação activa da família.
Qual a evolução destas situações?
O prognóstico do autismo tem vindo a melhorar. De acordo com estudos recentes, 5% a 10% destas crianças tornam-se adultos autónomos.
É importante relembrar que nesta doença há uma ampla variedade, quer na qualidade quer na gravidade das manifestações da doença e que cada caso é único e tem que ser abordado de modo individualizado.
Por: Gabriela Marques Pereira, Serviço de Pediatria do Hospital de Braga