Partindo ainda deste testemunho, gostaria de sublinhar o facto de, muito frequentemente, este problema passar despercebido, dado que as vítimas de bulimia, contrariamente às anoréxicas, mantêm um peso tipicamente normal.
"O que está mais presente na minha memória relativamente àquele período da minha vida é o medo horrível de engordar e o vazio e culpabilidade que sentia após a indução do vómito. Apesar de prometer aos meus pais e à minha psicóloga que não voltaria a deliberadamente vomitar, o medo horrível de ficar gorda e disforme perseguia-me. As pessoas que me rodeavam diziam-me que eu era elegante e bonita, mas eu tinha espelho e conhecia bem as dimensões exageradas do meu traseiro.
Um outro sentimento que me deixava muito frustrada era a minha incapacidade de controlo: não conseguia deixar de ter momentos em que ingeria quantidades astronómicas de comida e também não conseguia deixar de recorrer ao vómito como forma de me libertar dos excessos cometidos. Todas estas manobras eram feitas com grande secretismo, pois sabia que algo de errado se passava comigo.
Quando todo este meu drama foi descoberto, passei a seu alvo de acompanhamento em pedopsiquiatria e psicologia. Apesar desta intervenção, os meus comportamentos irracionais em relação à comida continuaram e, por isso, tive de ser internada. Recordo esses dias como os piores da minha vida... as sessões de grupo ficarão para sempre gravados na minha memória. Como era possível que jovens tão magras pudessem afirmar que eram gordas?
Definitivamente eu senti que teria de mudar, pois cair num beco semelhante ao delas eu não queria. Acho que este internamento me obrigou a pensar... acho que foi o clic para a mudança. Depois de três semanas internada fui progressivamente deixando de vomitar, apesar do desagrado com a minha imagem corporal continuar..."
Jovem anónima
Este foi o relato feito por uma jovem adulta relativamente ao período em que a bulimia invadiu a sua vida, e que acompanhei muito de perto. Era uma adolescente bonita e meiga, com uma auto-estima muito baixa e com um medo horrível de decepcionar as pessoas mais próximas, sobretudo as figuras parentais. Tinha uma aparência física perfeitamente normal e um peso adequado para a sua idade e estatura.
A bulimia nervosa é uma disfunção alimentar que se enquadra nas perturbações psiquiátricas graves e que, por isso, é descrita na DSM-IV (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais). Sempre que, num período curto de tempo, são ingeridas grandes quantidades de alimentos, seguindo-se comportamentos inapropriados para impedir o aumento de peso, tais como vomitar, usar laxantes, diuréticos ou outros medicamentos, jejum ou exercício físico exagerado, estamos face a uma situação de bulimia nervosa.
Para que o diagnóstico deste tipo de perturbação possa ser feito, é necessário que os episódios de ingestão compulsiva de alimentos e os comportamentos compensatórios ocorram ambos, em média, pelo menos duas vezes por semana, em três meses consecutivos. Habitualmente, esta perturbação começa no fim da adolescência ou início da idade adulta.
Outros pormenores relativamente à bulimia estão magnificamente ilustrados nas palavras desta jovem, que, agora, sendo já quase adulta, consegue ter algum sentido crítico relativamente à forma como viveu o seu problema de saúde. Partindo ainda deste testemunho, gostaria de sublinhar o facto de, muito frequentemente, este problema passar despercebido, dado que as vítimas de bulimia, contrariamente às anoréxicas, mantêm um peso tipicamente normal.
Como sinais de alerta da doença é importante referir a perda permanente e significativa de esmalte dos dentes, como resultado do vómito recorrente, engorgitamento das glândulas salivares e, por vezes, irregularidades menstruais ou amenorreia entre as raparigas.
A preocupação excessiva por parte da jovem relativamente à ingestão de alimentos com muitas calorias e o consumo preferencial de alimentos com baixo teor calórico são também indicadores para os quais se deverá ter uma atenção particular.
Para terminar, resta acrescentar que este tipo de perturbação, dada a sua complexidade e gravidade, exige a intervenção de equipas multidisciplinares.
Parabéns uma vez mais pelos seus excelentes posts e por tudo o que eles nos ensinam e fazem pensar.
ResponderEliminarUm abraço
Fê
Muito obrigado...
ResponderEliminarGrande abraço