Um ensaio clínico internacional envolvendo 78 doentes portugueses veio trazer novas esperanças no tratamento da paramiloidose, ou doença dos pezinhos, que teve ontem, quarta-feira, o primeiro Dia Nacional. A patologia deixou de progredir em cerca de 60% dos casos.
Sílvia Flores é um desses casos. Tem 28 anos e expectativa no olhar. A irmã, mais velha um ano, já foi transplantada. A mãe morreu-lhe tinha ela oito ou nove anos. Os tios também. A avó apagara-se no tempo em que não se sabia o que era aquilo que dava nas gentes da Póvoa do Varzim e falava-se, até, em paludismo.
É a paramiloidose, popularmente conhecida como doença dos pezinhos porque, em fases intermédias, destrói tecidos tendinosos e musculares nos membros inferiores, provocando um “andar à pato”. É mesmo assim que se diz. Sílvia só sente cansaço e formigueiro. O mesmo que sentia há pouco mais de dois anos, quando aceitou participar no ensaio clínico para o qual o Hospital de Santo António (HSA), no Porto, contribuiu com 48 doentes. “Os sintomas ainda eram poucos, em nada aumentaram”.
Sílvia espera assim poder evitar, por enquanto, o transplante hepático que, embora com boa taxa de sucesso (80% dos doentes sobrevivem ao fim de cinco anos), “traz muitos riscos”. A jovem poveira descobriu cedo que tinha a alteração genética que haveria, mais cedo ou mais tarde, de lhe gerar problemas. Tinha 18 anos, idade em que foi autorizada a ver o resultado da análise ao sangue que fez quando a mãe faleceu.
Hoje, cobaia da “tafamidis” naquele que é o maior centro do país no tratamento da paramiloidose, acredita que, “a médio prazo”, a inovadora terapêutica – considerada medicamento órfão e actualmente em processo de aprovação nas autoridades dos medicamento norte-americana e europeia – “vai fazer efeito”.
Convidada ontem, quarta-feira, para assinalar o primeiro Dia Nacional de Luta Contra a Paramiloidose, no Santo António, apareceu com o marido, Rudy. Não pensam em ter filhos: a doença é autossómica, ou seja, tem 50% de hipóteses de transmissão aos descendentes. A adopção poderá ser um caminho, a procriação medicamente assistida outro, se uma gravidez não fizer progredir os sintomas. Sílvia sorri.
Teresa Coelho, director da Unidade Clínica da paramiloidose do HSA, é a investigadora principal do ensaio clínico, que envolve seis outros países, apesar de Portugal ter o maior foco mundial da doença. “Temos 48 doentes (dois não são do HSA) a fazer a terapêutica. Dos 78 do ensaio 60% não apresentaram progressão da doença. Noutros é muito pouco marcada”.
O medicamento bloqueia a formação da proteína “anormal” responsável pela destruição de tecidos nervosos, a amilóide. Resultante de uma mutação genética no cromossoma 18, é produzida pelo fígado, pela retina e pelo sistema nervoso central. O transplante hepático resolve a parte do fígado, mas, sem cura, não há tratamento que elimine a doença, nem faça regredir os défices neurológicos.
A paramiloidose foi descrita em 1952 pelo neurologista do HSA Mário Corino de Andrade, que observara um padrão de formigueiro e adormecimento das pernas em doentes da Póvoa do Varzim. Concluiu-se entretanto que a doença fora levada para os quatro cantos do país e do mundo pelos navegadores do Norte e pelas migrações. Há 600 famílias diagnosticadas e mais de 1500 doentes sintomáticos em Portugal.
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