Numa das minhas "viagens" pela net, enquanto procurava material para uma investigação, encontrei este relato...Interessante... Dirão uns...Realista...Penso que estamos todos de acordo...Este texto foi retirado de: http://psiquiatradanet.blogspot.com/
"Já não me lembro do nome dela. Sinceramente, varreu-se-me ao fim de um ano de labuta mais ou menos intensa...
Vamos chamar-lhe Sofia. Encontrei-a aquando pela passagem pela Pedopsiquiatria.
Fora internada compulsivamente. Tinha agredido a mãe, porque esta se recusara a comprar-lhe um computador novo.
O pai, coleccionador e vendedor de selos, vivia alheado de todo o mundo, entregue às suas colecções e à rigidez das suas regras, que de vez em quando vergavam a muito custo e sob solicitação da mãe.
A mãe, essa, tinha um ar sofrido. Em criança tinha deixado de brincar com brinquedos, por falta de dinheiro para os comprar. Prometera a si própria que a filha nunca haveria de passar por vicissitudes desse género.
Trabalhava que se desunhava para isso, e não conseguia resistir ao choro da criança, que em breve se transformou num coro de exigências, e depois em insultos, ameaças, fugas de casa e, depois, naquele episódio...
Por isso, comprava-lhe, desde tenra idade, quase contando os tostões para comer, tudo o que podia: peluches, bonecas, doces, salgados, jogos caros, roupas de marca, um computador... Às vezes, fazia-o à revelia do pai, que, após descoberto o erro, encolhia os ombros e voltava para os selos da sua predilecção.
Sofia, nos últimos meses, perante a anarquia grassante em casa no que toca a regras, vinha fazendo mais e mais exigências aos pais: uma torneira sensível à aproximação das mãos, roupas cada vez mais caras. Quando os pais lhe respondiam que não tinham dinheiro para satisfazer as suas exigências, os gritos de "Odeio-te!" e a choradeira multiplicavam-se em crescendo.
Até ao dia em que bateu na mãe.
Aí, os pais, pela primeira vez na vida de Sofia, procuraram ajuda em todo o lado, excepto para a dinâmica da família: foram à comissão de protecção de menores e ao tribunal de menores da área, que emitiu um mandado de condução à urgência, tendo em vista o seu internamento compulsivo. Aí, foi internada compulsivamente para esclarecimento.
Foi assim que ela me foi parar às mãos.
O primeiro contacto foi hostil: tratava-se de uma moça de catorze anos, ligeiramente obesa, que exigia querelantemente a alta imediata. Estava visivelmente assustada com a situação.
Convoquei a família para uma reunião, com a supervisão directa e próxima do meu tutor desse estágio. Na reunião, Sofia chorava e fazia exigências, enquanto que, discretamente, olhava para os pais pelo canto do olho, para ver a sua reacção. A mãe, sem perceber nada, enervada, quase que saiu da sala.
Tive que intervir. Mandei Sofia sair da sala, e fiz uma explicação detalhada sobre o facto de, desde criança, as pessoas aprenderem a manipular os outros, ainda que inconscientemente...
Depois de várias sessões com Sofia e com os pais, elaborou-se um plano de tratamento, quer psicofarmacológico, quer psicoterapêutico. Ouvidas as partes, definiu-se um contrato terapêutico, com regras explícitas no que toca às exigências dos pais e de Carolina e penalidades em caso de infracção às regras. Estabeleceu-se a indicação para seguimento por uma psicóloga da Comissão e uma pedopsiquiatra da consulta externa, com acompanhamento e revisão do contrato terapêutico.
Tudo em vão.
Passados um ou dois meses, a mãe de Sofia procurou os médicos do internamento. Multiplicavam-se as ameaças aos pais, no seguimento de uma quebra no cumprimento das regras.
Sofia quebrara o contrato.
Os médicos do internamento remeteram simpaticamente a mãe de Sofia para os respectivos chefes.
Entretanto, saí do estágio. Não sei mais o que se passou com Sofia.
Casos como este são cada vez mais nos corredores da Pedopsiquiatria, e, depois, da Psiquiatria de adultos.
O estágio de Pedopsiquiatria fez-me, sinceramente, deprimir: noto que é cada vez mais difícil ser pai.
Noto que a sociedade está cada vez mais exigente para com os pais, para com os professores, e ao mesmo tempo a criar situações de completa demissão de funções, para uns e para outros. Exige-se a uns e a outros aquilo que eles não podem fazer, em nome de quê?
Quais os resultados práticos disto? Será que não estamos (Sociedade) a criar uma multidão de pequenos imperadores, egocêntricos, obesos, consumistas, sem respeito pelos outros, capazes de tudo para obter afecto ou bens materias? Como fazer para inverter a situação?
Como educar os pais? Como ser um pai (ou mãe) "suficientemente bom", de acordo com as características da sociedade actual?
Alguém me consegue responder a isto?
(Ou será que eu preciso de pôr as gotas na sopa?) "
Gostaria de dizer apenas que não existem fórmulas e tal como diz Pedro Strecht no seu livro: "É absolutamente indispensável olhar sempre para uma criança ou adolescente em meio escolar como um todo, nas suas múltiplas ligações entre desempenho cognitivo e emocional, tal e qual como na continuidade e inter relação entre a vida familiar, a escolar e a social em toda a perspectiva temporal de ligação entre passado, presente e futuro. Numa escola, não se aprende apenas, também se vive!"
Acrescento ainda que cada criança é única, logo o que resulta com uma pode não resultar com outra...
A falta de diálogo e falta de regras/limites são o pior inimigo para as crianças, família e professores de Hoje...
Muitos dirão que o excesso de computador, jogos de vídeo, etc...são os culpados...São mais uma das razões para o distanciamento entre pais e filhos...
MAS SÓ SE OS PAIS ASSIM QUISEREM!!!
Muito mais haveria para dizer...mas gostaria que a leitura do texto provocasse algum diálogo.
A Ler: Javier Urra:"O pequeno Ditador" - Da criança mimada ao adolescente agressivo. Editora A Esfera dos Livros(2007)
ResponderEliminarin: http://www.esferadoslivros.pt/livros.php?id_li=%2053
Vejo esse comportamento em cada vez mais Crianças e jovens... oiço cada vez mais relatos preocupados destes pais que o passar do tempo transforma em seres totalmente incapacazes de entrar no mundo dos seus filhos e desesperam nas salas de psicologos, psiquiatras e terapeutas, sem contudo terem o rótulo de crianças com necessidades educativas especiais - e na verdade são-no, mas esta especial necessidade no caso destas crianças e jovens, provém de "déficit de atenção" por parte dos pais, falta de disciplina e de regras que nunca lhes foram coerentemente impostas. Depois passa o tempo e os problemas vêm à tona como azeite em àgua, cujas gotas insistem em ficar, e inicia-se o caminho da toma de ritalina e outros medicamentos agora tão na moda, como se isso fosse fazer grande diferença e solucionar todas as falhas (involutárias, é certo), que estão para trás! Por vezes oiço estas histórias e penso que fácil seria para mim actulamente, dar a volta a este tipo de criancinhas intencionalmente manipuladoras... e o meu pensamento deve-se obviamene ao facto de ter de educar uma criança com Autismo, onde as exigencias são do tamanho do mundo, onde não posso respirar um segundo, ou sentar-me num sofá porque estou cansada dando ao meu filho uma playstation para o entreter é uma piada, onde quando ele me chama para brincar com ele eu faço uma festa quando muitos pais acham que é normal "sacudir" os filhos nestes momentos, porque eles estão cansados de trabalhar para lhes darem tudo... saberão eles o que é ter de trabalhar para dar terapias mensais que equivalem salários? Depois reflicto melhor e penso: de facto o homem quando não tem problemas arranja-os porque na verdade o que estas crianças são é um poço de problemas (Outros talvez, mas definitivamente problemas) , que provocam legitímas preocupação nos seus pais. "O homem é a medida de todas as coisas"... e de facto é, por isso mesmo, ainda que eu talvez tenha a tentação de desvalorizar o sofrimento destes pais, se parar um pouco para pensar verifico que também eles necessitam de apoio. Só é pena tantos deles olharem para os filhos dos outros, por exemplo como para o meu, como casos perdidos, como grande fatalidade... Mas a vida é feita de aprendizagens e ensinamentos, portanto também eu - que julgo ter um caminho algo pesado (o que não está longe da realidade) - devo respeitar que os pesos no caminho têm muitas e variadas formas, respeitando aquilo que às vezes me parece ser muito fácil e que realmente não é.
ResponderEliminarAlém do mais também me pergunto, em que meio irá viver o meu "anjinho" daqui a uns anos, com que tipo de seres humanos?