"Sou mãe de duas princesas, a Sofia de 9 e a Sara de 3. A Sara nasceu 12 minutos antes da Sofia completar 6 anos e a todos ela diz que a irmã foi a prenda dos 6 anos e a melhor prenda que teve na Vida. Para além desta surpresa, a Sara trazia consigo o cromossoma da diferença, sem que fosse detectado durante a gravidez – a Trissomia 21- , que a todos surpreendeu, a nós directamente sempre pela positiva!
Assim que saí da maternidade esperava-me em casa uma pesquisa efectuada na internet sobre o pior dos cenários de Trissomia 21, nomeadamente no que se refere à saúde e ao desenvolvimento.
Li tudo de “fio a pavio”, e depois de tudo ler, jurei a mim mesma que iria lutar por um milagre de Amor para a Sara, e reverter todo aquele cenário negro com que me deparei ao ler a informação. Era minha filha e precisava de mais apoio ainda do que a irmã, mas sem deixar a irmã de fora ou para trás, “arregacei” as mangas e “fui à luta”, tendo como fortíssimos apoiantes, que de braço dado estavam sempre ali, a irmã e o pai.
E tal como os 4 Mosqueteiros, temos sido “um por todos e todos por um”!
Desde sempre que soube o papel preponderante que a música tem na vida, nomeadamente no desenvolvimento, educação e formação das crianças.
Ainda no útero, eu cantava para as minhas filhas, ouvia muito música, de preferência clássica, ou de sons da natureza, como forma de relaxamento e assim nas minhas rotinas diárias a música era, e é, uma forte componente.
Por interesse, por hábito, por valor já enraizado, por herança genética, a Sofia nas suas brincadeiras, interesses, no cuidado e carinho com que sempre se relacionou com a Sara, tinha sempre uma fortíssima envolvente musical. Nas músicas que lhe trauteava, nos brinquedos com música, até no software a música era um grande estímulo a que a Sara reagia muito bem logo pelos 2 / 3 meses de nascida.
Como uma criança que necessitava de um profundo trabalho de estimulação precoce, todos os estímulos do dia-a-dia a Sara era sujeita, até ao palrear dos periquitos e dos agapornis que na altura tínhamos em casa.
Sempre que a Sofia nas suas brincadeiras, nos seus momentos de lazer, via as suas cassetes de vhs, ou os dvd’s e cd’s, sempre infantis e de musica infantil, fazia-o em partilha total e incondicional com a pequenina Sara.
Chegava a tirá-la do berço e com ela andar ao colo a dançar e a cantar, numa emocionante entrega mútua, e a Sarocas adorava, porque não se ouvia o mínimo sinal de contestação.
Ambas foram crescendo, e com tanto estímulo auditivo e visual que recebia, a Sara cedo despertou para um mundo de sons, imagens, rotinas, emoções e conceitos.
Cedo começou a partilhar e a fazer parte integrante dos momentos lúdicos da irmã e cedo ensinámos à Sofia a necessidade de trabalharmos, estimulando, a Sara em casa para que ela conseguisse atingir um bom patamar de aquisições que lhe permitisse ter um desenvolvimento o mais normal possível dentro do seu quadro de Trissomia 21.
Assim que saímos da maternidade e chegámos a casa, (sim porque ambas nasceram na Maternidade Dr. Alfredo da Costa, onde o encaminhamento de situações e o apoio aos pais é de facto de louvar), a Peniche ao fim de uns dias, a Sofia perguntou-me o que era a Trissomia 21? Respondi-lhe que eram crianças como ela, apenas que aprendiam tudo muito mais devagar do que ela. E que provavelmente a irmã iria ter mais dificuldades e iria aprender mais devagar. A Sofia respondeu que iria ensinar à Sara tudo o que ela precisava de saber. E ali se encerrou o assunto!
A Sofia chamou a si a missão de estimular a Sara numa entrega absolutamente incondicional, e aproveita todos os pequenos momentos para trabalhar a irmã, e acreditem que os resultados superam todas as expectativas, espantando e surpreendendo as técnicas que com a Sara trabalham numa base semanal, que vão seguindo e aplaudindo inclusivamente as dicas e as sugestões da Sofia.
E assim começámos a Era do Audiovisual aqui em casa, tanto com os vhs, dvds e cds da Sofia como depois com os da Sara, incluindo software mais específico. Aos 2 / 3 meses sentávamo-la na cadeira de ângulo recto e na mesa, para a ensinarmos a sentar, cujo modelo nos foi dado pela Psicóloga que muito nos acompanhou , e colocávamos o Software no computador, só para a despertar para a musica e para a imagem. Tudo o que era vhs, dvd, cd de músicas infantis, a Sofia cantava as músicas, dançava para a Sara e muitas vezes pegava nela e inseri-a naquele momento, que deixando de ser um simples momento lúdico, passava a ser um imenso trabalho, que orientado e apoiado pelas técnicas, era a sua grande mais-valia.
Desde sempre que a Sofia participou em tudo o que dizia respeito à irmã, desde os tempos da gravidez. Inclusivamente a própria educadora da Sofia, que na altura frequentava o pré-escolar oficial, dizia que em muitos anos de profissão nunca tinha testemunhado uma criança que participasse da gravidez da mãe e vivesse a ideia de ter uma irmã de uma forma tão emocionante e intensa. Nunca haviam visto tamanha entrega e uma ligação tão forte a um bebe que ainda nem se conhecia.
Depressa nos apercebemos que ambas eram a grande mais-valia uma da outra, e se a família já se tinha enriquecido com a chegada da Sofia, com a chegada da Sara a família ficou deveras iluminada.
Sempre em parceria e com a cumplicidade da irmã, a Sara cedo começou na Era dos Audiovisuais e indo atrás dos interesses da Sofia acabou e acaba por dar grandes saltos no desenvolvimento.
Por tantas vezes ver os dvd’s, vhs e ouvir os cd’s a Sara começou por imitar movimentos, entendendo que o movimento traduzia algo, o desenvolvimento psicomotor “sofreu” uma grande evolução. Assimilou conceitos, repetindo sons, começou a dizer vocábulos, aprendeu as vogais, dobrou sons, começou a associar os conceitos às imagens e às palavras, a entender expressões, a desenvolver a expressão corporal e a criar lhe desenvoltura, autonomia e traquinice, que está apuradíssima.
Ao nível de aquisições, como categorizar os animais, os objectos, aprendeu novos animais como o pinguim, o dinossauro, a baleia, a girafa, o hipopótamo, e já vai fazendo algumas associações como uma perna às costas.
Este trabalho é feito através de momentos lúdicos, da brincadeira, do aprender. Se andamos a tratar do jantar à noite, coloca-se um destes dvd’s e tratando-se do que é preciso vamos vendo a Sara a interagir, nós a participarmos também, às vezes a cortar cebola, ou a por a mesa, damos por nós a dançar e a cantar com ela, e quando nos apercebemos estamos todos a interagir e a puxar por ela e claro ela colabora com toda a naturalidade. Se está a dançar, fazemos gestos como mexer os ombros, os braços, as mãos, as pernas, rodopiar e ela colabora. Um dos CD do Panda tem uma música em que diz roda a mão, o pé, etc.. Quando fazemos para ela ver e nos imitar apercebemo-nos que ela já faz sozinha e assimilou o conceito.
Resolvi fazer este registo escrito, não para mostrar elogiar as minhas filhas em detrimento de outras crianças. Este registo tem o objectivo primordial de passar uma mensagem a pais, familiares, amigos, técnicos ou a quem esta temática interesse, que tudo é trabalho, que tudo é uma aprendizagem contínua que quando tem uma forte componente musical lúdica, as aquisições acontecem tão natural e espontaneamente que somos completamente surpreendidos.
Escrevi sob a forma de testemunho na primeira pessoa, porque a melhor forma de demonstrarmos algo, de comprovarmos uma teoria é experimentando ou vivendo o que se pretende demonstrar. Diariamente eu tenho a consolidação do que aqui expus. Claro que para além de tudo isto, temos as terapias, os apoios, o trabalho efectivo, a escola ou creche, mas isto só para alertar que esta é uma das melhores, senão a melhor forma de aquisições, de alcançar objectivos e metas.
Aliás ao longo do tempo fui transmitindo estes registos às técnicas que acompanham a Sara desde os 2 meses de idade. Também desde essa altura já muitas utilizam estes materiais para apoiarem crianças com Autismo, deficiências mentais mais acentuadas, Trissomia 21 e casos onde a comunicação com o mundo exterior é pouca ou nula. Os resultados revelam-se quase sempre de forma muito positiva.
Todos os dias ao final da tarde ao chegarem a casa, a Sara vai direitinha à sala escolher o dvd, pega nos comandos e pede para pormos a tocar, se demorarmos muito já está ela a tentar adiantar serviço e por vezes a televisão perde a sintonização dos canais, encrava a tampa do dvd,... enfim…
Depois enquanto a rotina dos banhos, dos preparativos do jantar se faz, toca um cd ou dvd, e lá anda a família toda envolvida a cantar e a dançar. Depois acontece algo muito engraçado, que é andarmos a ouvir no carro alguns destes cd’s e depois ou porque vamos ao supermercado, ou tratar de algum assunto, ou mesmo às vezes no local de trabalho, damos connosco a cantarolar as músicas que repetidamente ouvimos.
Tudo só para vos dizer que:
Através de momentos lúdicos utilizando audiovisuais, acaba por se conseguir uma grande interacção familiar, e ganhamos todos, em especial os filhos que deliram com estes momentos, tenham ou não défice cognitivo. No nosso caso é Trissomia 21, mas há outras deficiências com este tipo de quadro ganham uma grande mais-valia.
Os audiovisuais, nomeadamente tudo o que tiver uma retaguarda de componente musical, desempenham um papel preponderante no desenvolvimento das crianças, em especial das que têm défice cognitivo.
Por isso achei que seria importante passar esta mensagem, esta partilha pessoal com outros pais, técnicos e todos os que directa ou indirectamente lidam com esta área."
De: Sandra Morato
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