domingo, 6 de fevereiro de 2011

Estados de humor nos limites

Da depressão profunda à euforia extrema. Este é o humor de quem sofre de doença bipolar, uma perturbação psiquiátrica caracterizada por variações acentuadas do humor, com crises repetidas de depressão e euforia.

Designado tradicionalmente por doença maníaco-depressiva, este problema afecta 200 mil portugueses, transformando-se numa das patologias psicológicas mais graves. As alterações de humor influenciam emoções e comportamentos, restringindo a saúde e a autonomia do doente. As crises de tristeza e excitação podem durar dias ou meses; já os períodos de estabilidade podem prolongar-se durante anos, e os doentes podem assim ter uma vida normal. 

O psiquiatra José Manuel Jara explica que as causas são genéticas, ou seja, a existência de depressões, suicídios, casos de doença bipolar ou alcoolismo na família aumenta a probabilidade de sofrer de bipolaridade. O estilo de vida com muito stress, o consumo excessivo de álcool e drogas, as perdas afectivas e as críticas constantes tornam as pessoas mais vulneráveis à doença bipolar. 

O diagnóstico precoce e a medicação são essenciais, mas, explica o especialista, o "consumo de substâncias nocivas mascara a doença", atrasando o diagnóstico. A complexidade e imprevisibilidade desta patologia, cuja manifestação varia de acordo com a personalidade dos doentes, são desafios na hora de fazer o diagnóstico, que depende do "olho" do médico e da análise do historial clínico do paciente. Porém, salienta o psiquiatra, "hoje é mais fácil chegar ao diagnóstico precoce, uma vez que a sociedade conhece melhor a doença". A medicação é o suporte de vida do bipolar - é uma doença sem cura. Através de estabilizadores de humor, a qualidade de vida melhora e a intensidade das crises é atenuada. O tratamento não pode ser interrompido. 

"PACIENTES PROCURAM AJUDA": Delfim Oliveira Pres. Ass. Apoio Doentes Depressivos e Bipolares 

Correio da Manhã - Quantos doentes procuraram ajuda em 2010?

Delfim Oliveira - Cerca de 347 pessoas. Actualmente, a associação tem mais de 3586 associados, a nível nacional. 

- Quem pede ajuda?

- Os familiares, quando o doente está em crise, e os próprios pacientes, quando estão em tratamento ambulatório ou em convalescença. O doente bipolar desvincula-se do tratamento quando se sente minimamente bem, tendo uma recaída. 

- O diagnóstico é aceite? 

- Não, sobretudo nos jovens. Porque desconhecem a patologia ou porque se auto-estigmatizam perante a sociedade, já de si preconceituosa. 

- Que tipo de apoio é prestado pela associação? 

- A associação apoia o doente e a sua família. Opera ao nível da compreensão desta patologia e da sua terapêutica.

TAXA DE MORTALIDADE ELEVADA

A taxa de mortalidade das doenças do foro psicológico é elevada. O risco de suicídio é maior, bem como o consumo excessivo de substâncias nocivas. Paralelamente, há os efeitos secundários dos medicamentos. A instabilidade do doente provoca uma atitude de desleixo com a terapêutica médica. Numa fase mais eufórica, os doentes perdem a noção dos limites, o que agrava o risco de acidente. Os horários do sono regulares e a rotina ajudam a estabilizar o doente. O apoio dos familiares também é importante, pois ajuda na moralização do paciente e na adesão ao tratamento, bem como no reconhecimento dos sintomas, essencial à detecção precoce das crises.

"É UMA LUTA DIÁRIA PARA SAIR DA CAMA"

"Todos os dias é uma luta para me levantar da cama, sinto-me inútil e um fardo para a minha família. Afastei-me das minhas amigas, queria que guardassem uma boa imagem de mim." Aos 25 anos, Dora Neves viu a adolescência "roubada" pela bipolaridade. Foi obrigada a abandonar a faculdade e a conviver com uma estranha patologia, que revelou uma personalidade desconhecida. 

Os sinais de alerta começaram aos 21 anos. "Tinha muitas crises de choro e dores de cabeça." Dora consultou um psiquiatra, que disse tratar-se de uma depressão passageira. O que não aconteceu. Saber que era bipolar "foi um choque", mas a partir daí todos os medos e fobias fizeram sentido. Sentiu-se marginalizada pela sociedade, que apelida as pessoas que sofrem de doença mental de "malucos". E foram os pais, com quem vive, o seu apoio.

Hoje, com 42 anos, quer tirar um curso de informática e um de costura. O seu sonho é encontrar emprego e conhecer pessoas que sofram do mesmo problema para partilhar experiências. "A vontade de viver e concretizar os meus sonhos dá-me força para me levantar da cama", diz. 

PERFIL

Dora Neves Tem 42 anos e vive em Lisboa. Aos 25 anos, soube que sofria de doença bipolar, o que a obrigou a abandonar a faculdade. Tirar cursos de informática e de costura e encontrar um emprego que lhe dê alguma independência são alguns dos seus objectivos.

In: Correio da Manhã online

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