segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Mais de 60 mil crianças e jovens sobredotados em Portugal

Três a cinco por cento das crianças e dos jovens portugueses são sobredotados. Ou seja, têm um QI superior a 130, quando o da média da população ronda os 100%. São cérebros cheios de potencial, à espera de serem descobertos. Podem ser capazes de ler aos dois anos, mas não desenvolvem todas as suas capacidades ao mesmo tempo. Desfazer os mitos de que são infalíveis e capacitados em todas as áreas estão entre os objectivos das associações que os apoiam.

Aos dois anos já lia as matrículas dos carros e algumas palavras, nas legendas da televisão ou nos letreiros dos supermercados. Os pais pensavam que estava a associar a imagem aos anúncios, julgando-o apenas "um bocadinho precoce", recorda a mãe. No entanto, quando entrou para a pré-primária, aos três anos, perceberem que Pedro (nome fictício) poderia ser uma das cerca de 48 mil a 80 mil crianças sobredotadas do País.

A sua agressividade na escola levou-os a procurar um psicólogo, que lhes fez o diagnóstico: Pedro era sobredotado. Ou seja, tinha um QI (coeficiente de inteligência) superior a 130, quando o da maioria das pessoas ronda os 100%. E aconselhou-os "a procurar a um especialista, porque os psicólogos tratam problemas" e ele não tinha nenhum.

A frustração de estar rodeado de crianças que não tinham os mesmos interesses, a ouvir matérias que já conhecia, aborrecia-o e levava-o a destabilizar a aula, por estar aborrecido de ali estar.

A frustração é mesmo um dos problemas que mais afecta estas crianças. Pedro todos os dias vai para a escola na expectativa de aprender coisas novas, mas o ritmo do programa é demasiado lento para a sua vontade de aprender. Acelerou um ano, fazendo o 3.º em dois períodos lectivos. E "melhorou muito", assegura a mãe, graças à mão firme do professor, que soube conquistar a sua confiança, e ao apoio de Manuela Freitas, a fundadora do CPCIL (Centro Português para a Criatividade, Inovação e Liderança), que os aconselhou.

No entanto, é pela sensibilização dos professores que passa a melhoria do ambiente escolar para estas crianças. "É preciso acabar com a ideia de que o sobredotado é infalível", defende Helena Serra, da direcção da APCS (Associação Portuguesa de Crianças Sobredotadas). Porque podem estar muito "apuradas" numas áreas, e noutras estarem num "patamar comum ou terem mais lentidão na aquisição de aptidões".

As várias áreas de sobredotação (cognitiva, criativa, sócio-emocional, psicomotora e de liderança) devem estar desenvolvidas "harmoniosamente", explica Manuela Freitas, para que as crianças tirem partido de todo o seu potencial.

Para isso, as mais novas podem participar em "programas de enriquecimento", de associações de apoio a sobredotados, em que desenvolvem projectos à volta de um dado tema, como o ambiente ou as viagens. Trabalham em grupo, discutem as suas ideias com os colegas, desenvolvem a "motricidade fina", responsável por uma letrinha bem-feita e uns desenhos pintados dentro dos traços, muitas vezes o seu ponto fraco. E aprendem a reconhecer as suas emoções, através da expressão dramática e do improviso. Um convívio entre pares que gera amizades fortes, que nem sempre conseguem estabelecer cá fora por terem interesses muito diferentes dos colegas.

É o que acontece com o António, de oito anos, que "estranha" os amigos por estarem sempre a jogar à bola e prefere brincar sozinho. Quem o explica é o pai, António Oliveira, de 51 anos, que vê na "percepção" que o filho tem da realidade o que o distingue das outras crianças.

"Não é o contar rápido", não é o ter aprendido a ler e a escrever por si só ou o ter feito um puzzle de mil peças aos seis anos. "É olhar para a mesma coisa e ver mais do que as outras pessoas", algo que o assusta por temer não conseguir "entrar na lógica dele".

"Eles são, de facto, um fascínio", admite a psicóloga e coordenadora da delegação de Lisboa da ANEIS (Associação Nacional para o Estudo e Intervenção na Sobredotação), Sara Bahia. Pela rapidez de raciocínio, pela "curiosidade" e "compreensão" que têm da "natureza humana", completa José Pedro Trindade, professor e colaborador da associação.

No entanto, sublinha a psicóloga, mais do que saber reconhecer o seu trabalho, é preciso saber vê--los pelo que são. Um processo que nem sempre é tão complicado ou marcado por discrepâncias entre as várias capacidades. Eva Gomes nunca foi conhecida por ser "sobredotada". O seu rótulo era o futebol, e fazer amigos também não foi uma dificuldade assim que ultrapassou a timidez. Hoje tem 17 anos e está no primeiro ano de Matemática, na Universidade de Lisboa.
 
Castigo era fazer cópias

Hugo Assunção tem 18 anos e está no primeiro ano do curso de Engenharia Informática, na Universidade Técnica de Lisboa. Quando era pequeno, aborrecia-se com os exercícios repetitivos da escola, mas era das cópias que menos gostava. "Porque eu escrevo mais devagar do que penso", conta. O que, aliado à dislexia que lhe foi diagnosticada, o fazia dar mais erros. Olhando para trás, fala numa "infância feliz" e agradece não ter saltado nenhum ano, por considerar que isso lhe poderia ter trazido problemas de integração, à semelhança do que viu acontecer a outros colegas da escola.
 
Diferenciar regras motiva estes alunos
 
Um sistema educativo que responda às necessidades dos sobredotados é o que pedem associações e pais. A diferenciação pedagógica que a lei já prevê, mas que as escolas só põem em prática pela metade, por exemplo, permitindo a aceleração dos alunos de ano para ano.

Mas isto não chega, garante Helena Serra, da APCS (Associação Portuguesa da Crianças Sobredotadas). "A criança não pode estar horas numa sala de aula a ouvir matérias que já sabe há muito tempo", defende.

Os sobredotados precisam de "desafios", para não perderam o interesse da escola, como aconteceu com Sílvia Vermelho, de 21 anos, que passou por uma pré-escola que não lhe "dizia nada" e um primeiro ano "incipiente". Isto apesar de ter aulas numa escola em que havia só uma turma, que juntava todos os anos. O que lhe permitia distrair-se com as matérias dos outros.

Quando passou para o segundo ciclo, as coisas pioraram. Não só porque "o ritmo de aprendizagem é lento e ineficaz", sem "estímulo" ou oportunidade de desenvolvimento de um "pensamento crítico", mas também porque se tornou vítima de bullying, discriminada pelos colegas por ter maior facilidade de aprendizagem.

"Eu não me sentia privilegiada por nada", assegura. "Sentia-me perseguida. Não queria dar nas vistas, errava de propósito nos testes e tinha uma rejeição total à escola". Ao ponto de querer desistir de estudar, o que não aconteceu porque lhe propuseram que acelerasse mais um ano, uma vez que já tinha entrado para a escola aos cinco anos.

A aceleração não resolve o problema essencial. Estas crianças continuam a precisar de estímulos que as motivem e façam das aulas uma fonte de conhecimento. Uma das estratégias é atribuir-lhes trabalhos diferentes.

Tal como fez o professor do Pedro (nome fictício), hoje com dez anos e a frequentar o sexto de escolaridade, quando o acompanhou no terceiro e quarto anos.

"Tinha de fazê-lo puxar pela cabeça para o manter ocupado", conta. "Dava-lhe logo dois ou três trabalhos, porque o que os outros faziam em 45 minutos ele fazia em apenas 15." 

3 comentários:

  1. Como percebo e revejo estes relatos com um que me é muito familiar. Tenho um filho nestas condições. Estes casos, ainda são por parte de um grande numero de docentes, mal aceites e mal compreendidos (no meu caso e na escola onde frequenta.
    O meu maior medo é de um dia todo o seu empenho em fazer lago diferente desapareça e se encaminhe por outros caminhos...

    Ainda a semana passada chegou a casa muito feliz... tinha feito um teste surpresa...
    o que é facil para alguns, para estes meninos não tem interesse. Quantas vezes resolvem um problema de matemárica só a ler o inunciado...

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  2. Obrigado pelo seu testemunho. E gostaria de a desafiar, no sentido positivo...Gostaria de escrever um post para eu publicar aqui no blog?

    O objectivo é dar-nos o seu testemunho,um da sua história de vida.

    Abraço

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  3. Obrigago pelo desafio, vou pensar.
    Tenho 2 histórias que poderia partilhar:
    um filho com um QI acima da média e uma filha prematura de 25 semanas... que nasceu com um diagnóstico muito "negro" mas que hoje ainda me dissem:
    - mãe a S. é um milagre
    http://crisaniblog.blogspot.com/2010/07/1-julho-2005-0045m-25-semanas-e-5-dias.html

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