sexta-feira, 30 de julho de 2010

Receita (anti-psicológica) de omeleta sem ovos

"Sem ovos não se fazem omeletas." Todos conhecemos este provérbio e reconhecemos a sua evidência. Contudo, na educação parece estar a tentar-se fazer tudo "sem ovos" ou, pelo menos, com poucos ovos. Basta estar nas escolas e sentir, na pele e no espírito, a falta de diversos profissionais, para além dos professores, essenciais para assegurar a qualidade da educação, nomeadamente através do acompanhamento do percurso escolar dos alunos, particularmente daqueles que, por razões diversas, carecem de um apoio mais individualizado e especializado. Os psicólogos escolares contam-se entre os profissionais cuja falta se faz sentir em muitas escolas ou que, existindo, não são em número suficiente.

A importância dos psicólogos escolares surgia reconhecida no Decreto-Lei n.º 330/97 de 31 de Outubro, que estabelecia o regime jurídico da sua carreira. No preâmbulo desse diploma afirmava-se que "a qualidade da educação está intimamente dependente dos recursos pedagógicos de que a escola dispõe para acompanhamento do percurso escolar dos seus alunos, considerando-se que "o papel dos serviços de psicologia e orientação é o de possibilitar a adequação das respostas educativas às necessidades dos alunos".

O que vem a ser o Serviço de Psicologia e Orientação, também conhecido por SPO? Trata-se de um serviço especializado para apoio educativo que integra psicólogos escolares. A sua actividade dirige-se a toda a comunidade escolar: alunos, professores e conselhos de turma, pessoal auxiliar de acção educativa, encarregados de educação e famílias. Desenvolve actividades diversificadas, entre as quais se contam a participação na definição de estratégias e na aplicação de procedimentos de orientação educativa a alunos; a observação, a orientação e o apoio de alunos; o desenvolvimento de programas e acções de aconselhamento pessoal e vocacional; o apoio aos professores e conselhos de turma; atendimentos individuais a alunos e a encarregados de educação. As suas funções não se esgotam nos exemplos apontados e estão definidas no Decreto-Lei acima citado.

Sendo o trabalho descrito anteriormente de inquestionável importância, como se aplica nas escolas? A questão é pertinente, pois em muitas não existe qualquer psicólogo e noutras o rácio psicólogo-alunos é de tal forma elevado que qualquer trabalho esbarra com inúmeras dificuldades. Recorrendo a comparações na área da gastronomia, vejamos como se "cozinham omeletas" nas nossas escolas:

Receita n.º 1
Recorre-se à poupança de "ovos" (os psicólogos). No agrupamento em que se integra a minha escola, por exemplo, há uma psicóloga para cerca de dois mil alunos. Conclusão, como a "omeleta" tem que dar para todos, pois a educação é a menina-dos-olhos do nosso governo (como era dos anteriores), junta-se farinha e leite (ou água, que é mais barata) aos "ovos" e procede-se a uma boa gestão de recursos, parecendo a omeleta igualmente bonita. Ou então... os "ovos" esticam-se o mais que podem, pois a sua consciência profissional a isso os obriga e surgem diários de trabalho como o que referi no artigo Diário de uma psicóloga escolar (http://www.educare.pt/educare/Opiniao.Artigo.aspx?contentid=B8766C9CAA1640F9BF0B97259666E87C&channelid=0A84D796E5DB0C06E0440003BA2C8E70&schemaid=&opsel=2).

Receita nº 2
Afinal até se pode fazer uma boa omeleta sem ovos. Parece, aos nossos governantes, que qualquer bom professor experiente pode fazer as vezes de um psicólogo escolar se este não existir numa escola. E a verdade é que proliferam os agrupamentos em que não há qualquer psicólogo.

Confesso que, na gastronomia como na educação, continuo a achar que "sem ovos não se fazem omeletas" e que não se deve "vender gato por lebre". Se se pretende contrariar o abandono escolar e os resultados escolares negativos, se se pretende que a escola seja fonte de igualdade e não de desigualdade, é preciso dotá-la de recursos. Os psicólogos escolares, bem como outros profissionais, têm sido tratados como parentes muito pobres do sistema educativo, quando são parceiros indispensáveis. Os professores, esses, cada vez mais se encaminham para uma classe profissional indistinta, que vai servindo "de pau para toda a colher": docente, psicólogo, assistente social, animador cultural... e sabe-se lá que mais aí virá num futuro temivelmente próximo.

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