sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Autonomia na escola - excesso de liberdade ou ausência de disciplina?


A construção da autonomia é um princípio educativo que, muitas vezes, é mal interpretado na escola. Frequentemente ele é confundido com excesso de liberdade e ausência de disciplina. O principal desafio dos educadores é possibilitar, à criança ou jovem, transformar a informação em conhecimento e o conhecimento em acção. Autonomia só pode ser entendida numa concepção que insere o indivíduo na sua relação com o contexto social e em permanente interacção com o meio. Sem este pano de fundo ficaria parcialmente destituída de significado uma concepção de educação orientada para o desenvolvimento integral do indivíduo. E correríamos o risco de interpretar autonomia simplesmente em termos comportamentais, como capacidade de resolução de problemas de forma independente. O educando que exercita a sua liberdade, que rompe com o silêncio, participando crítica e activamente da aula, terá mais responsabilidade nas suas acções. E é essa construção de responsabilidade que o educador precisa buscar na sua relação com o educando. Para Paulo Freire, o essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdade, entre pais, mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia. Paulo Freire não aceita uma escola que retira de cada um a possibilidade de ser sujeito e que leva a interiorização e a reprodução das relações de dominação presentes na sociedade. A escola deve promover para o educando e para o educador uma formação ética, solidária com uma inserção social na sociedade com garantias de direito. 
No início do século XX, Hannah Arendt já denunciava que a crise na educação era de facto uma crise na ideia de autoridade. A autoridade confunde-se com autoritarismo. Os educadores, por sua vez, vacilam entre a permissividade e o autoritarismo. Na educação, o autoritarismo são as práticas antidemocráticas usualmente utilizadas nas escolas, amparadas pela pedagogia tradicional. A pedagogia autoritária tradicional impede a liberdade, a responsabilidade e a criatividade do sujeito que aprende, na medida em que as suas relações são hierárquicas e desiguais. Nesse sentido, institucionalizam valores e ideias dos grupos dominantes, desconsiderando a cultura e as contribuições dos grupos sociais "dominados". 

Autoridade e disciplina são elementos necessários à construção do saber. Os limites são necessários para que todos aprendam; entretanto, pôr limite em sala de aula ou em qualquer ambiente de aprendizagem não significa opressão. Os processos de controlo são usuais nas escolas convencionais. Vigia-se o "aluno" e também se vigia o "professor", situação bem formulada por Foucault, quando ele associa o acto de vigiar e punir como uma forma de exercício de poder. Na organização do espaço, a escola acompanhou a organização das instituições saídas dos processos de industrialização caracterizadas por mecanismo de racionalização da vida e de processos de controlo: controlo do tempo, dos corpos e das atitudes. Concordando com Candeias, a escola teria assim, através desses procedimentos, a incumbência de manter e de reproduzir as relações de classe face ao poder. 

Na concepção tradicional de educação, a prática escolar não tem vinculação com o quotidiano da criança. Os conteúdos organizados pelo educador são elaborados a partir de exercícios repetitivos, sequencialmente lógicos - sem qualquer flexibilidade ou interdisciplinaridade - e a avaliação da aprendizagem é feita através de provas escritas e de forma quantitativa a fim de classificar, seleccionar e medir o que foi aprendido pela criança. O educador assume um papel autoritário na proposta educativa e as suas tarefas são definidas para fixar os limites do educando no processo de ensino e aprendizagem. Os educadores tradicionais não consideram a afectividade como um facilitador de relações para o desenvolvimento social e intelectual do educando. Ocorre uma valorização da organização do ensino, com característica externa ao educando e centrada no educador, com a programação das disciplinas a partir de um planeamento prévio. Na pedagogia tradicional o educando copia inicialmente um modelo para depois criar o seu próprio. A ausência de estímulos individuais às crianças favorece a formação da heteronomia, que surge da falta de ações que possibilitam a expressão da criança no quotidiano escolar.

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